Saudade de manga espada
Por Francisco Frassales Cartaxo
Muitas flores deram lugar a mangas, que amadurecem entre folhas novas. Que prazer observá-las ao balanço do vento, ainda forte neste mês de novembro. Uma festa para os olhos no antegozo do saboreio. Água na boca. Desejo. Ânsia de apalpá-las maduras e carnudas, o sumo escorrer pelo canto da boca, na satisfação da gula e do instinto.
Que saudade de antigamente!
Da infância ainda guardo, bem vivo na memória, o cenário embaixo de grandes mangueiras na casa/sítio onde nasci. Conservo a imagem do chão coberto de folhas amareladas, o cheiro das mangas picadas pelas aves, que eram muitas e de variadas famílias, embalando sonhos infantis aguçados pelo bucolismo do ambiente. Havia muitos tipos de manga no sítio, que meus passos de menino percorreram. Engraçado, não conhecia manga espada! Tinha vários pés de manga itamaracá, menor e menos suculenta. Meu pai falava na semelhança entre as duas, mas nunca atinei por que ele não cuidou de plantar manga espada no seu diversificado pomar.
Aqui no Recife há espada em abundância.
Atraem os catadores, que surgem, quase sempre em dupla, um carrega imensa vara de bambu com saquinho na ponta, o outro, um carrinho-de-mão ou um saco para ir juntando as mangas. Colhem lá nas alturas com facilidade de fazer inveja. Da varanda de meu prédio aprecio a cena quase diariamente. Na Praça da Casa Forte, onde costumo fazer caminhada (menos agora em época de pandemia) existem mangueiras no espaço público e em jardins e quintais de casas e edifícios. Muitas e variadas.
Não faz muito tempo, entre meus colegas caminhantes, havia um que recriminava os catadores de manga. Um absurdo, dizia, esses caras são uns gatunos, não respeitam a propriedade alheia, roubam as mangas dos outros, deviam ser presos. Raivoso, repetia os impropérios, como se aqueles homens fossem perigosos marginais. Inútil a gente argumentar que eles apenas lutavam pela sobrevivência. Quem sabe, eu argumentava, eles têm filhos, a manga é seu ganha-pão, dá para comprar o leito dos filhos, mesmo porque muitas mangas iriam apodrecer no chão. Que nada, ele retorquia, vão é beber cachaça.
Ninguém o convencia, por quê?
Antigo senhor de engenho, na tradição familiar dos tempos coloniais, meu amigo, fora rebaixada à condição de fornecedor de cana às usinas de açúcar. Como grupo, perdera status social e, mais recentemente, foi forçado a abandonar a secular atividade canavieira, que, no passado, lhe dera glória e nobreza! Agora, ele virou bananicultor. Isso mesmo, plantador de banana! Para qualquer mortal, nada demais. Mas para antigo senhor de engenho é a morte. Descer demais na escala social, mais do que na vida econômica. Daí sua raiva. Rancor permanente. De classe. Então, volta-se contra os pobres, como faz, por exemplo, um sargento quando desconta nos soldados as reprimendas sofridas do capitão.
E a preferência pelas mangas?
Há quem goste dessas variedades incorporadas, recentemente, ao cultivo e ao hábito sertanejo. Nomes estranhos, tommy, palmer. Outros preferem algumas das muitas espécies, velhas conhecidas: manga rosa, itamaracá, jasmim, espada, bacuri, cuité, manguita e por aí vai. Amiga minha (que Deus a proteja a seu lado) tinha uma queda radical por manga espada. Exaltava o formato, o tamanho, a consistência, o cheiro, o sabor. Manga espada não se corta de faca, sempre me dizia, a gente chupa. E assim fazia, demorando-se no prazer da degustação até deixar o caroço quase pelado.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (ACAL)
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário