Reminiscências Radiofônicas III
Final da década de 1970. Sertaneja enxerida e, contrariando as expectativas familiares, que apostam as fichas numa promissora carreira de médica, engenheira, advogada, decido fazer o Curso de Comunicação Social. De matulão nas costas e um punhado de saudades no peito arribo na direção do litoral, extasiada e, ao mesmo tempo, estrangeira, de uma paisagem de verde intenso, de chuvas abundantes, de ritmos ligeiros no contraste da cinzenta caatinga dominante grande parte do ano sertanejo, das neblinas parcas e da pressa lenta da vida na pacata Cajazeiras e na infante Impueiras.
Era uma época de silêncios impostos e murmúrios pronunciados nas dobras e franjas de uma ditadura militar ferrenha. A interdição política, contudo, não alcança a capacidade de utilizar e usar a universidade como espaço de produção de saber, mas, proficuamente, como campo de discussão política e de formação humana. Nessa perspectiva, a formação profissional dar-se aliada a um entendimento mínimo dos meandros da composição do jornalismo como arena de disputas e de intencionalidades que, raramente, emergem nas manchetes e lead das notícias.
Formada, de canudo na mão, volto para Cajazeiras, mais precisamente, para Impueiras, buscando sobreviver à ressaca da incerteza de não mais ter a universidade como preenchimento do tempo e a ausência de um futuro profissional. A contragosto dos pais começo a arquitetar a idéia de migrar para o Norte na trilha dos desbravadores das novas fronteiras, quando certo dia, voltando da feira, meu pai traz a notícia de que um primo, João Martins Moreira, conseguira com seu vizinho, Taciano Granjeiro, a época um dos diretores da emissora, um estágio na Rádio Alto Piranhas.
Acanhada, chego ao prédio da RAP, que funcionava anexo ao antigo Cine Teatro Apolo XI. Após a entrevista, começo a produzir os primeiros noticiários superando o fosso que separava as aulas de radiojornalismo e o batente, real e áspero, da redação. Concomitante ao aprendizado da profissão, no calor da notícia, vou costurando amizades na gentileza de Salete Silva, recepcionista que, ainda hoje, diz que a música Tanto Amar, do Chico Buarque, é a minha cara, no carinho do Ribamar Rodrigues, da Diane Batista, do Maurício Alves, do Geraldo Nascimento. Atrevida, ouso produzir meus primeiros escritos, batizados de editorial e que passam a constituir a abertura do Programa Radio Vivo. Escritos que ganham força e beleza na voz magistral do camarada Geraldo Nascimento. Como sempre me diz Seu Epitácio, o mais celebre garçom do Restaurante do Hotel e Estância Termal do Brejo das Freiras, “tudo ganha novos sentidos e fica mais inebriante quando Geraldo Nascimento diz: escreveu Mariana Moreira”.
Alguns meses depois, já familiarizada como o veículo, sou desafiada a apresentar um noticiário, ante a ausência do locutor titular do horário. O tremor das pernas, com certeza, foi captado pelos microfones. Mas sobrevivi.
E assim, mais uma vez a hoje cinquentenária Rádio Alto Piranhas cruza minha história. Ah! Antes de terminar, um pecado que o tempo já se encarregou da absolvição. Ainda existia relógio de ponto nos obrigando ao carimbo dos cartões a cada ingresso e a cada fim de turno. Em muitos momentos, aproveitando-se da ausência dos diretores e da vigilância da secretária-tesoureira Rosângela, alguns colegas esmurravam o relógio que passava alguns dias quebrado para nosso deleite de atrasos sem a punição do desconto salarial. E aí, podíamos degustar o bolo vencido de três dias vendido na cantina situada na esquina do Apolo XI.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário