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Cristina Moura

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Regra número um

28/02/2020 às 08h20

Coluna de Cristina Moura

Na TV, um comercial com uma nova cor: lilás. Era a Fanta Uva sendo lançada. O que seria aquele líquido colorido e fermentado, não sei. Doce, é certo. Açúcar, uma bomba de glicose. Mas criança por acaso quer saber de coisa que faz mal, manual de instruções, bulas, estatutos regimentos: sim. Sim. No meu caso, sabia que existiam as normas.

Sei que, no dia do aniversário de Révia Mara na escola, tínhamos garantida a Cajuína, bebida universal nordestina. Já era por nós suspeitado. Eis que, naquela manhã de setembro, chega uma grade com os refrigerantes. No meio deles, adivinhe: a Fanta Uva, a moda, a onda do momento, a sensação da praça.

Sentamos em círculo: regra número um. A número zero era manter a elegância e a boa educação. Depois do recreio, festa. A sala era nossa. O birô ficava enfeitado de sabonetes, cartões, desenhos, chocolates e flores: eram nossos singelos presentes à aniversariante. Que beleza. Colocávamos nosso papo de meninas em dia: brincadeiras, papeis de carta, viagens imaginárias, Histórias em Quadrinhos, músicas, artistas famosos.

Ao meu lado, no círculo, sentou-se Luciana Batista, a garota mais cotada da escola para fazer o papel de Nossa Senhora nas apresentações religiosas. A fama se espalhou para outras escolas e dioceses. Bom comportamento, sorriso sincero, olhos esverdeados, pele alva e cabelos longos e lisos eram os atributos da nossa jovem santa.

Na festa, Tia Telma começou a servir os refrigerantes. Cada aluno com seu copinho, esperando uma bebida que refrescasse o calor e fosse favorável à nossa obediência. Se eu fechar os olhos, pareço voltar no tempo; visualizo toda a cena. A última gota da última garrafa de Fanta Uva daquela manhã festiva, portanto a última daquele dia de setembro, caiu no copo de Luciana. Pois é. Como destratar nossa colega iluminada. Como fazer cara feia diante da nossa colega famosa.

O que eu podia fazer, nada. Nada. Nada mesmo. Mas, confesso que minha torre de refrigerantes ruiu e, com ele, grande parte da minha ligação com a cor lilás. Fiz um treinamento comigo para parar de pensar no corante doce.

Acostumei-me com o sabor laranja. Ao longo de muitos anos, a cabeça foi se aprumando e ficando menos densa, o coração menos trevoso, os ouvidos menos moucos aos bons conselhos. Ao experimentar a bebida depois, senti que um terço da graça se perdeu. Faltou o clima geral da novidade, a quentura da mídia, a linguagem publicitária em sua plena forma, a hipnose. Isso: fui hipnotizada. Esse povo da mídia é assim.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

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Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

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