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Cristina Moura

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Ratos de jornal

01/08/2021 às 13h05

Coluna de Cristina Moura - Imagem ilustrativa. (Foto: reprodução/curiosamente.diariodepernambuco).

Por Cristina Moura

Ser rata de jornal foi uma honra. Aprendi muito com o factual, com a batida do cotidiano, a escrever o que eu via e ouvia na realidade. Comecei a compreender até onde o ser humano é capaz, tanto em prodígios quanto atrocidades. Os ratos, uma das gírias do mundo jornalístico, são os que saem com a vassoura, no lixo, no fechar das portas, com a coluna precisando de afago e os pés arrastando o dever cumprido. São os que produzem as matérias de última hora, as mais quentes, para fechar mesmo o barraco.

Meu trabalho atual com revisão e assessoria e aula, além do estudo, não deixa espaço para essas ratices. Mas, sinto saudades boas desse aprendizado, que levo para a vida toda e quero compartilhar nesta crônica. Alguns sobreviventes ainda estão por lá, em alguma fenda do navio, incomodando muita gente. Um tipo de gente que não suporta ver suas imperfeições reveladas.

Os episódios da rua, antes de se transformarem em textos, são contados com detalhes numa redação. Quase obrigatório. Chegou, contou. A turma escuta, com atenção. Silêncio total. Aí, comenta. Prevê. Julga. Prende. Demite. Solta. Elege. Expulsa. Chora. Comemora. Só ali, nos bastidores. Nem que seja num punhado de cinco ouvintes.

Redação é um espaço pequeno para tantas informações que saltam ao mesmo tempo. A convivência é quase diária. As lacunas são os dias de folga alternados. Não existe normalidade para sábado, domingo, feriado e família. Existe administração de horários. As faces se cansam, às vezes. O estresse é constante: cada cabeça com seu grau. Remédio para combater: piada. Música. Comida. Salgadinhos. Bala. Chiclete. Café. Barris e barris de café. Chá. Contêineres de paciência. Risadas sem fim.

Todos ganham apelidos. Um aperreia o outro com carinho, senão estraga. Os temas são os de sempre: a cor da pele, o peso, o bairro onde mora, o time do coração, a religião, a cidade onde nasceu. Gracejo com o que for possível. Com o corte ou a pintura do cabelo, com a roupa, com o bloco de anotações, com a caneta, com os óculos, com as unhas.

Se é casado, se é solteiro, se é divorciado, se levou um fora, se anda a pé ou de ônibus, se come PF ou pede marmita, se vai ao self-service ou ao pastel com caldo de cana. Se compra fiado. Se anda de táxi. Se foi ao show. Se frequenta os Alcoólicos Anônimos. Se foi cantado pelo entrevistado, se foi agredido pelo entrevistado, se o entrevistado-candidato pediu voto. Uma máquina de perguntas.

Gente, que escola boa. Os tímidos sofrem. Os bem chatos não duram. Os sonsos fingem que não entendem. O propósito do editor, o time único: cada integrante com sua tarefa; e, como soldado em missão, só sossegar quando cumprir todos os itens, à risca. Como o roedor escondido nas bordas das caixas empilhadas, saindo somente expulso, com o cansaço escrito na testa, dizendo graças a Deus por mais um dia, dando tchau ao pessoal da limpeza. Até amanhã. Até.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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