Quem tem sede, apanha
O slogan alardeava: quem tem sede, apóia. Com tamanha força semântica uma avassaladora avalanche de vozes e opiniões se perfilou na defesa da transposição do Rio São Francisco, a revelia das posições mais cautelosas e menos apaixonadas que defendia um debate mais responsável sobre as implicações e desdobramentos que uma obra de tamanha magnitude desencadearia na vida das populações que, direta ou indiretamente, seriam afetadas pelos efeitos e conseqüências da transposição.
O projeto segue em frente e é apresentado como importante peça de propaganda governamental e, nestes tempos de eleições, como artefato de força política na boca e nas proposições de candidatos das mais diversificadas matizes ideológicas. No entanto, uma sequência de aspectos está sendo negligenciada e ofuscada pela necessidade de afirmação de uma ação de governo apresentada como salvadora.
Um dos aspectos que não é considerado no debate sobre a transposição é o atraso no pagamento das indenizações à grande parte dos atingidos pelas obras no município de São José de Piranhas, numa realidade que tem suas similitudes com outros municípios nordestinos cujos canais estão cortando a caatinga, destruindo a vegetação e expulsando pessoas de seus habitats naturais onde, ao longo dos anos, construíram vivências, estabeleceram sociabilidades, articularam afetividades humanas e naturais. Nenhuma posição oficial esclarece os atrasos e um clima de intranqüilidade contagia a todos os que se sente na incômoda posição de verem suas terras e casas sendo revolvidas e não terem a segurança e a tranqüilidade da certeza de um futuro sem sobressaltos.
Outro aspecto negligenciado é o total abandono que é impingido às populações afetadas pela obra. Inexiste qualquer ação de apoio psicológico que venha amenizar as conseqüências de ações que obrigam pessoas a se submeterem a um degredo compulsório. Abandonam casas, terras, moradas, animais, plantas, vivências culturais, laços de afeto e amizade. Resta como única e derradeira alternativa morar na periferia da cidade e viver do nada. Muitos, desgarrados de uma experiência organizada, mergulham na depressão que, como se conhece pelos prognósticos médicos, leva a situações de total desapego a vida e, portanto, tornando-se mais suscetíveis ao alcoolismo, a droga, a prostituição, ao suicídio.
O debate que se impõe agora não é mais o de ser favorável ou contrário a transposição. Ele se esterilizou pelo curso político que o projeto assumiu com as obras sendo executadas. O que se apresenta como urgente, necessário e humano, neste momento, é discutir as repercussões, implicações e consequencias que a transposição vem desencadeando na vida das populações que estão situadas no percurso das obras e, sobretudo, a insensibilidade que se configura como a principal atitude dos responsáveis pelo projeto que, desconsiderando as aflições das populações, prendem-se aos trâmites burocráticos e inverte o slogan. Agora, quem tem sede, apanha.
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