Quais vidas?
Por Mariana Moreira
A adolescente na calçada do supermercado divide o espaço com outros parceiros e os transeuntes que, apressados nos finais de tarde, buscam suas casas para o repouso da jornada.
A adolescente, com roupas rotas e cabelos desgrenhados, se mostra gentil e, encenando a vida de privações, apela para a caridade como alternativa de sobrevivência. Ou como a derradeira alternativa na qual se agarra como tábua de salvação para escapar da fome atroz que, nos últimos tempos, tem sido a mais presente companhia no singelo casebre que abriga sua família na periferia da cidade.
E na manhã seguinte a adolescente já está a postos na calçada do supermercado, dividindo com os iguais o espaço e a minguada caridade dos que se desprendem de dois reais, ou de algumas moedas de centavos. Nos olhos a inexpressividade da vida agreste rouba qualquer brilho de esperançar.
Em céleres momentos a lembrança de uma escola frequentada em tempos idos. Escola que lhe foi ensinada não como direito, mas apenas como possibilidade de progressão e promoção social. Ou seja, escola e educação como alavancas para a mudança de vida. Portanto, facilmente abandonadas quando a perspectiva de amanhã se dissipa nas exigências e urgências do hoje.
O hoje que, numa conjuntura de pandemia e de total ausência de políticas e programas governamentais capazes de possibilitar segurança e proteção as populações mais vulneráveis socialmente, se faz concreto no ronco da barriga, na ausência dos equipamentos e ferramentas técnicas e humanas para a atividade escolar remota.
E a adolescente segue na dureza do aprendizado da vida na calçada do supermercado. Quando o cansaço enfraquece as pernas um batente acolhe o corpo por algum tempo. Tempo para atualizar os valores de moedas e cédulas recebidas e, sorrateiramente, sonhar com uma roupa elegante que a vitrine da loja ostenta, ou com o celular que a tela da TV no interior do supermercado oferece como passaporte para um mundo mágico de belezas, farturas e felicidades.
Mas, a realidade da vida lhe despertar para a calçada do supermercado lhes ensinando que o sonho é perigoso e subversivo porque nos mostra possibilidades que transgridem as regras e preceitos definidos para a convivência nesta sociedade. Regras e preceitos estabelecidos por aqueles que, vencedores, determinam e traduzem como naturais esses roteiros que escancaram os pedintes na calçada do supermercado.
E a protuberância da barriga da adolescente revela uma gravidez em primeiros estágios.
E a vida continua.
Mas, que vida?
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