Prosas entre canapús e moinho
Mesmo sem a regularidade necessária para repor a capacidade plena de barragens e açudes, as chuvas que caíram nesta região já podem ser apontadas como as responsáveis pela metamorfose sofrida por paisagens, bichos e homens sertanejos. Os semblantes humanos estão mais serenos e despidos de uma sisudez que, em períodos de estiagens, antecipa sofrimento e incertezas. As múltiplas variações de verde se espraiam por grotões, barrancos, ribanceiras e prados, salpicando de outras tonalidades as flores das catingueiras, das canafístulas, das jitiranas, dos mandacarus temporãos. Em galhos de oitizeiros, marizeiras, oiticicas e baraúnas sabiás, galos de campina, casacas de couro afinam uma sinfonia que ressoa pelo ar límpido e lavado do sertão.
Chuvas que, caindo num intervalo regular de tempo, também fizeram brotar muitas das plantinhas sazonais que conseguiram e ainda conseguem escapar da insanidade humana dos herbicidas. Plantas como os canapús, melancias da praia, maracujá do mato, melão de são caetano, cujos frutos fizeram nossa alegria em infância. E por falar em canapú, quem, mesmo morando na zona rural, nos dias de nossa modernidade de tablets, internet, celulares e facebooks, conhece essa planta “bestinha”, como dizia papai, mas que safreja um delicioso fruto, pequenino, mas de um sabor que tem gosto e cheiro de casa de boneca, de brincadeira de roda, de escola do campo e de banho de açude.
Quem, em tempos de criança, não fez festa e animou folguedos com os vermelhos reluzentes dos melões de são caetano, avidamente consumidos a revelia da vigilância materna, que sempre advertia que seu consumo causava cãibra de sangue. Na última Semana Santa, no refrigério do alpendre de Impueiras, me deleitei com canapús e melancias da praia, diligentemente colhidas por Cícero de Firmino. Os sons, sabores e cheiros de infância ressurgiram nas lembranças de trovoadas assustadoras, de espigas de milho assadas e frias, enroladas em palhas e consumidas na merenda da escola.
Também, na Semana Santa, me permiti saborear um delicioso cuscuz de milho zarolho, consumido com leite cru e rapadura. Aos estrangeiros, explico. Milho zarolho é aquele que se encontra no estágio entre o verde e o seco. Os seus grãos podem ser moídos sem a necessidade de serem colocados de molho. E, de fundamental importância para a preservação do sabor e da consistência da massa, é que os grãos sejam moídos em moinhos rústicos, como aqueles que, em nossa infância, era uma das principais peças das casas dos sítios. Enquanto saboreava o cuscuz lembrei-me do meu primo Jesus Moreira. Recentemente o encontrei no Campus da UFCG, em Cajazeiras, a procura de um documento. O avisei que ele poderia obter esse documento através da Internet. De pronto, fui admoestada por Jesus: Mariana, dessas tecnologias a mais moderna que tem no Bom Jardim é um moinho Mimoso, número 03 e com as peças grossa e fina ainda em bom estado.
Uma boa prosa para acompanhar o cuscuz de milho zarolho, os canapús e as melancias da praia.
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