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Cristina Moura

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Pátria amada

11/03/2022 às 16h38 • atualizado em 11/03/2022 às 16h39

Coluna de Cristina Moura - imagem ilustrativa

Por Cristina Moura

Linda a melodia, bela a letra. Minha emoção sempre foi muito fácil, ao ouvir o Hino Nacional Brasileiro. Trabalhar esse primor na sala de aula, porém, nem sempre é confortável. A começar pelas palavras rebuscadas e o tom marcial, como obrigatoriedade em certos eventos escolares, visualizamos, de imediato, uma longa jornada de paciência. Gosto de aplicar uma receita temperada. Em certos momentos, a ação parece divertida; noutros, analítica em sua natureza social. Dolorosa, talvez. Mas os ingredientes são auxiliares, letra e música, e provam que a arte pode entrar em qualquer discussão e continuar nos salvando da ignorância e da insensibilidade. Sim, vamos. Vamos ouvir o hino em ritmos diferentes: rock, metal, forró, funk, samba, rap, axé, sertanejo.

De início, com respeito à forma original, é importante revivermos um pouco da história da obra. Devemos lembrar que a música nasceu primeiro, em 1823, por meio de um concurso, e venceu o professor e maestro Francisco Manoel da Silva. Todo esse panorama é importante também para que a turma reflita por que precisamos de um hino. Surge daí o debate sobre o que há de mais brasileiro ou patriótico nesse caldeirão. Lembramos, ainda, que em 1909, ao sentirmos a necessidade de uma letra, foi promovido outro concurso, e venceu o professor, escritor e poeta Joaquim Osório Duque-Estrada.

Quando partimos para a interpretação do texto, é instantâneo ouvir reclamações sobre termos que parecem muito estranhos aos nossos dias atuais. Sim. Esperado. Nesse instante, é preciso que se entre com o antídoto histórico para explicar que estamos nos reportando àquela época, e que é necessário considerar o contexto de todas as frases. Estávamos no Parnasianismo, um período literário que era apaixonado pela forma, pela elegância na junção dos significados e sonoridades. Não bastava dizer que o berço era bonito e aconchegante, mas esplêndido. Os raios não podiam ser apenas cintilantes, mas fúlgidos. Bandeira não era suficiente para o nosso verde-louro, tinha que ser flâmula. Essa era a lógica parnasiana, o requinte. Não há como nos desligar daquele momento da História para tentar compreender nossa tão querida trilha sonora para as Copas do Mundo.

Quando o assunto é sintático, a dor parece maior para os meus filhos adotivos. Ora, preciso cumprir a gramatiquice e, com zelo, chamar à luz quem ainda não conhece certas regras nas entranhas. E nem imagina o quanto é recompensador conhecer um pouco mais. A sintaxe é assim, parece um chute na canela para alguns, mas é ela que promove outro traço da beleza da frase, o relacionamento entre as palavras. É por ela que enxergamos a hierarquia dos elementos.

Desgastante para muitos admitir que, na primeira frase construída por Duque-Estrada, o núcleo do sujeito é o substantivo margens. Ouço xingamentos. Não para mim, ainda bem. Mas, de tão admiradora da obra e da língua e do estudo, sinto até como se fosse o alvo. Para aliviar mais o meu lado, justifico que é uma exigência do plano de aula, para aquele trimestre, elaborado pela equipe das Linguagens. A culpa, se houver, portanto, não é só minha. Já me livrei de um pecado.

Chega, então, o momento de discutirmos, por equipes, a importância do texto para o nosso País, pois é para o gigante que estamos cantando. O impávido colosso escuta a nossa louvação. Mas alguns revelam que o Brasil não merece os elogios propostos pelo talentoso letrista. Quase todos os relatos são bem desanimadores ou dignamente perplexos. Como se os participantes estivessem de malas prontas para habitar noutra nação. Isso mesmo. E eu, mediando, procurando entender cada semblante ali, tão jovem, tão carente, tão sonhador. Procuro, em silêncio, o céu profundo, o raio vívido, a clava forte. Sem saber, vou andando e me embrenho nos bosques. Pátria amada, amiga, nos salve.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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