Para Adalberto, saudades
Por Mariana Moreira
O conheci no começo da década de 1980 quando em Cajazeiras iniciava minha atividade jornalística. Ele um competente engenheiro agrônomo vindo das bandas do Ceará. Encanta-me sua rara inteligência e seu perspicaz conhecimento sobre os sertões, suas gentes, bichos e plantas. Mas, o que mais me cativa é sua prosa rasa e prazerosa.
E assim os anos apenas intensificam e solidificam a amizade. Ingresso na universidade, mas continuamos próximos e partilhando intensos e apaixonantes momentos nos debates em emissoras de rádio da cidade. Suas posições conservadoras, em alguns momentos, não motivam dissidências, mas estreitam o respeito pelo convívio tolerante.
Sua rara inteligência e buliçosa curiosidade o levam, de forma autodidata, a estudar meteorologia, convertendo-se em profundo conhecedor do tempo e de suas múltiplas variações de clima, sobretudo, na nossa região semiárida.
E assim, ele ganha o merecido título de homem do tempo. E todos os sertanejos, ainda nos meses que antecediam nossa quadra invernosa, já começavam a alimentar a expectativa pelas suas previsões, geralmente anunciadas pelas emissoras de rádio da região. Que o diga minha mãe, Dona Betina, que, até falecer, em 2012, gozava da intimidade de lhe telefonar para antecipar as previsões, não resistindo ao anúncio público. Outros, mais afoitos, ousavam lhe visitar e, no alpendre de sua aprazível casa às margens da rodovia, entre um gole de café e uma conversa solta e espontânea, escutavam o que zonas de convergência, El ninos e aquecimentos oceânicos nos reservavam enquanto possibilidades de chuvas e farturas, ou suas ausências.
Mas ele não é apenas o homem do tempo. Seu profundo conhecimento de botânica o transforma em um paisagista impar. Com sensibilidade e rara inteligência conseguia transformar agrestes paisagens em espaços aconchegantes e pulsantes de vida. Uma jardineira, alguns cactos e criatividade. E as mãos humanas acresciam beleza a geniosidade do Criador e, por caminhos inusitados, se aproximava de Deus.
Mas o tempo nos cobra suas dádivas de vida. Até mesmo para o homem do tempo, os limites não podem ser transgredidos. A finitude define fronteiras e traça rotas que determinam as possibilidades de nossa navegação. Ao final, o porto derradeiro nos surpreende com a notícia de sua morte.
Eu nunca perguntei se você, como homem do tempo, gostava de dias chuvosos. Mas, no dia se sua morte uma copiosa chuva banha nossos sertões por vinte e quatro horas. A chuva encharca a ressequida terra sertaneja açoitada por uma madastra estiagem e inunda nossos corações de saudades.
E as despedidas que sempre trazem um forte componente de tristeza e saudade nos irmanam, seus amigos, num derradeiro adeus. Sabedores todos que quando nos despedimos de um amigo por quem cultivamos sentimentos verdadeiros de afeto e carinho, esse momento se converte num misto de irrealidade, angústia, abandono. A certeza de que serão derradeiros os olhares, os abraços, as palavras, os sons e cheiros de vozes e peles, as imagens de formatos de rostos e os brilhos de olhos e afetos assaltam nossa alma como a liquefazer nosso ser.
E a prosa com um saboroso café com tapioca fica para outro dia, Afinal, copiando o samba que você tanto gostava, “naquela mesa está faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”.
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