Os pés de barro dos heróis
O livro chega as minhas mãos pela generosidade de sua mãe, Beta Caitano, que conheço apenas de vista. O título revela uma instigante criatividade e remete para uma temática que, mesmo sendo um dos aspectos mais analisados da história paraibana da primeira metade século passado, ainda oferece nuances e recônditos que possibilitam novas abordagens. O título da obra, A saga de 1930 e o doido da Paraíba. Seu autor o cajazeirense José Caitano de Oliveira, que se lança numa empreitada de revolver um tema que, para alguns, guarda dramas e dores, e, para outros, foi motivação para a construção de mitos e “heróis” que alimentaram poderes e privilégios em nome de uma pretensa honra e de uma tão alardeada identidade de interesses, nem sempre gerais.
Como entendermos, sem paixões ou parcialidades, os eventos que marcaram um momento decisivo da história política da Paraíba e, por uma dessas injunções do destino, terminaram desencadeando os acontecimentos que imprimiram os rumos e direções dos fatos políticos nacionais? Como os homens que, a posteriori, são ungidos ao panteão de heróis e mártires, trazem também, em diversas circunstâncias, os inerentes sentimentos humanos da covardia, do medo, da vilania? Como os atos e tramas tecidos pelos eventos e fatos cotidianos não podem ser lidos apenas pelas caligrafias desenhadas pelas mãos e linotipos dos vencedores? Como o humano se dissipa nas sombras e franjas dos deuses que, infalíveis, passam a determinar rumos e rotas aos pobres mortais, exigindo servidão e expurgando com as penas da maldição e do degredo os que infringem seus mandamentos?
Utilizando-se de uma cuidadosa pesquisa bibliográfica e de uma caprichosa utilização de recursos documentais José Caitano mergulha no calor e nas paixões dos acontecimentos que antecedem o assassinato do então Presidente da Paraíba, João Pessoa, dando humanidade a personagens e coadjuvantes e calor humano a fatos e acontecimentos que, normalmente, são apresentados envoltos em nevoas e sombras que escondem e embaçam as intenções e pretensões que movem e alimentam os jogos e as tramas da política e que, em muitos momentos, transformam dramas cotidianos e pessoais em cinematográficos espetáculos de promoção pessoal ou de grupos.
E tudo vai sendo montado por José Caitano com um objetivo bem singelo: o de dessacralizar heróis, desnudar reis e mostrar que os homens trazem marcas e traços de humanidade em todas as circunstâncias de suas vidas. Isso os torna apenas composições de interações e tessituras sociais e políticas que, em nome de interesses, explícitos ou escusos, movem ações e atitudes que, muitas vezes, podem ser significadas e personificadas no mero gesto de acionar o gatilho.
Em suma, com A saga de 1930 e o doido da Paraíba José Caitano tem o mérito de escancarar os pés de barros de nossos heróis.
Boa leitura.
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