Os pássaros
Não vou falar do filme Os pássaros, de Alfred Hitchcock, embora seja tentado a confessar o medo enorme que tive quando o assisti pela primeira vez. Medo do barulho das asas em voo de ataque a pessoas indefesas, aturdidas, desesperadas. Suspense, mistério e terror sangram da película, baseada num conto da escritora inglesa Daphe Du Maurier. Na obra-prima de Hitchcock, Melanie sai à procura de um homem por quem se encantara à primeira vista. Esbarra num povoado da Califórnia onde ele mora e, ao invés de encontrar o desejado amor, depara-se com o inusitado: pássaros e mais pássaros que se chegam aos poucos, agridem os moradores do lugar em cenas de incrível pavor. Tais aves assassinas não me interessam. Muito menos a autora do conto, aliás, suspeita de ter plagiado o livro A sucessora, de Carolina Nabuco, filha de Joaquim Nabuco, ao escrever Rebecca, seu mais famoso romance.
Meus pássaros são outros.
São reais e se acham aqui perto. Agora mesmo, enquanto escrevo, vejo dois deles. Um casal, pelo jeito de ser um ao lado do outro. Não cantam, apenas emitem sons baixos, quase inaudíveis, saltam, esvoaçam equilibrados nos cordões da tela da varanda do meu apartamento. Desfilam, com seus passos curtos, em cima do parapeito do terraço. De qual família são? Não sei. São maiores do que os pardais, essa peste importada de além-mar. Os meus pássaros têm uma cor pouco definida, meio azulada de mistura com cinza. Parecem azulão, tipo sanhaçu. Este eu reconheceria de pronto, tantos eu vi em meu tempo de criança no sítio onde nasci, perto do Açude Grande, ainda hoje coberto de fruteiras. Ali os sanhaçus se misturavam com sabiás, bem-ti-vis, galos-de-campina, canários, golas, concriz, casacas de couro, anuns, rolinhas caldo-de-feijão, branca, caxexa, fogo-pagou. Uns mais outros menos, lá estavam a pular nos galhos das goiabeiras, mangueiras, dos pés de azeitona, caju, mamão, pinha, graviola, nos coqueiros, enfim, nos espaços livres a bicar frutas. E cantavam. Pardais, não. Deles eu só ouvia falar. E os imaginava um pavão em miniatura, impressionado com sua presença em romances e poemas que meu pai lia em voz alta. Pardais. Que blefe!
Os meus pássaros, os de hoje, quero dizer, se colocados naquela ambiente de minha infância, bem sei, seriam insignificantes. Aqui no Recife, à altura do décimo andar, é outra coisa. Me alegram, descansam meu espírito, nas pausas que faço quando leio ou escrevo. Às vezes, tento fotografá-los, porém, minha inabilidade artística se revela nua e crua. E o ninho? Penso que os dois pássaros, que vejo agora, são descendentes do pioneiro casal aconchegado no primeiro ninho feito aqui, anos atrás. Ninho construído num arbusto plantado em grande vaso na varanda.
Estarei ficando doido?
Não, seguramente, não. Aliás, nunca me senti tão senhor de meus sentidos. E dos meus sentimentos. Por isso, prefiro falar de pássaros, da suavidade de sua presença, do equilíbrio instável ao balanço do vento, em galhos verdes, nos gorjeios entre eles, a me fazer inveja. Prefiro-os, mesmo que não consiga um furtivo papo com eles. Só um olhar, trocado na minha imaginação. Com essa migalha de amor, fujo das asneiras do mundo. E esqueço os pássaros vorazes de Hitchcock.
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