Os imprescindíveis
Por Francisco Frassales Cartaxo – No final dos anos noventa do século XX, Miguel Arraes governou Pernambuco pela terceira vez, anos depois da primeira experiência interrompida no dia 2 de abril pelo golpe de 1964. No exercício do último mandato, as condições de governabilidade eram de extremas dificuldades. Pude senti-las, primeiro, em diretoria da Agência de Desenvolvimento (AD-Diper) e, sobretudo, como Assessor Especial do governador para programas ligados à decadente atividade canavieira, cheia de conflitos econômicos, trabalhistas e fortes tensões sociais.
O que narro a seguir ocorreu em 1996.
Por trás de minha mesa de trabalho havia um quadro com o poema Os que lutam, de Bertold Brecht:
Há aqueles que lutam um dia, e por isso são bons
Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso são muito bons
Há aqueles que lutam anos, e por isso são melhores ainda
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.
Numa manhã luminosa recifense, no início da Avenida Rosa e Silva, me vi diante de um empresário industrial, reconhecido por suas iniciativas pioneiras de muito sucesso, em área de acirrada competição entre grupos econômicos poderosos, inclusive do exterior com ramificados no Brasil. E veja que o centro geográfico de sua tenaz audácia era uma cidade do interior, fato inusitado em gigantesco cenário concorrencial, no qual a ética é um valor desprezível, de somenos importância.
Lá para as tantas, ao levantar a vista, a atenção do dinâmico empresário parou no poemeto. Em silêncio mastigou as palavras. Quem é esse cara, perguntou, obrigando-me a girar a cadeira e reler o que já sabia de cor. Um intelectual alemão, eu disse, dramaturgo, poeta, romancista, pensador engajado na luta contra o nazismo, teve que fugir da Alemanha de Hitler. Foi esbarrar nos Estados Unidos, tentei resumir a atribulada trajetória de Brecht.
– Ainda vive?
Não, não, ele faleceu há muitos anos… em 1955, 56.
– Ah, eu era menino no agreste, disse, em jeito de desculpa, por desconhecer o autor do Estudo sobre Teatro, publicado, talvez, no ano em que ele nascera. Satisfeito com as poucas informações que lhe dei, o atento empresário puxou uma caderneta, anotou, palavra por palavra, o texto emblemático do militante comunista, cuja obra política e estética é calcada no marxismo.
Ele conferiu o que acabara de escrever. Guardou o caderninho de notas. Não se conteve:
– Me enquadro na última categoria: os imprescindíveis!
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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