Os ícones e suas meias mentiras
Por Mariana Moreira
A morte da cantora Marília Mendonça ganha dimensões midiáticas na proporção dos grandes astros forjados e temperados nas prensas e turbinas da poderosa indústria cultural.
Uma indústria que, antecipadamente, define comportamentos, tendências, gostos e ritmos musicais tendo como único e exclusivo parâmetro o mercado e suas milionárias cifras.
Uma indústria com força, alcance e capacidade de transformar, mas sem evoluir, a música caipira em ritmo sertanejo, a fossa e as dores de amores em “sofrência”, o feminismo em “feminejo”.
E como a indústria cultural e sua potente engrenagem transforma sem evoluir?
A primeira linha de montagem traz em suas esteiras a dissecação e a esterilização dos fatos, acontecimentos, modelos, comportamentos, ideias, conceitos, lhes extirpando quaisquer vestígios de crítica, questionamento, dissenção ou qualquer outro elemento que ponha em cheque o “status quo”. Limpo de toda “impureza” que possa aranhar o estabelecido o fato, o conceito, o comportamento recebe uma nova embalagem, com as cores fascinantes e sedutoras do consumo fácil e, assim, do lucro certo.
O passo seguinte, e, certamente, o mais incisivo dessa metamorfose, é a publicidade destes fatos, acontecimentos, modelos, conceitos. Uma disseminação massiva, ostensiva, repetitiva que vai transformando mentes e corpos, vai sedimentando como verdade única o dito feito e acabado, vai desqualificando e negativando quaisquer manifestações de dissonância, divergência, contraditório.
Assim, movimentos, ações, atitudes, posições culturais e políticas que se geram nas lutas e atos coletivos são desnudos e limpos de toda forma de contestação e, elevados a condição de ações e atitudes individuais que transformam indivíduos em ícones de uma luta política escoteira, sozinha, desgarrada. Uma luta que, dando audiência e movimentando cifrões, se fragiliza em sua potencialidade de mudança.
É nesta oficina que o feminismo se transforma em “feminejo”, como atitude de pessoas isoladas, que na proteção do palco e de esquemas de segurança, protesta contra a agressão a uma mulher na plateia. Um gesto que, ganhando a dimensão midiática de um ato de coragem individual, não abre espaço e fórum para a discussão da violência de gênero.
A nossa humanidade se irmana e se solidariza com a dor da morte da cantora e dos demais passageiros da aeronave. Sentimos o vazio que a saudade traz como forte tributo do ato de morrer. Sobretudo, quando este ato tem o desenlace de uma tragédia.
Mas, enquanto ser pensante, continuo dividindo com Millôr Fernandes, a compreensão de “nada é mais falso do que uma verdade estabelecida”.
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