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Francisco Cartaxo

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Os criminosos

20/03/2017 às 02h32 • atualizado em 20/03/2017 às 02h33

Quando Norberto Odebrecht iniciou a construção de seu império as coisas eram mais simples. Ele disse. A propina era entregue, em mãos, ao candidato. Depois foram ficando complexas, a ponto de exigir a criação de um setor de operações estruturadas. Antes, dava para disfarçar. Agora açambarca tudo. Virou um monstro. O monstro da corrupção. A democracia abatida por golpes de esperteza. Isso me faz lembrar, por contraste, um crime horrível ocorrido na década de 1940.

Cajazeiras não dormiu naquela noite.

Quem matou. Quantas facadas? Quarenta e oito! Fim de mundo, comadre, é o fim do mundo. E ele não reagiu? Reagiu, tentou pegar o revolver na cintura, mas a foice partiu o cinturão. Foice? Santo Deus, que perversidade! Não deu tempo. Eram dois. Quarenta e oito… a marca de sangue na calçada, o calçamento todo manchado, eu vi ali, em frente à casa da amiga dele. Estavam conversando, ela na janela, ele na calçada, na maior calma e de repente eles encostam, os dois, o senhor é seu…

Sim, sou eu, e quem é vo…

Não deu tempo, a faca rasgou o braço lá dele, o homem querendo puxar o revolver da cartucheira, mas a foice foi mais ligeira. Tudo rápido, rápido. A moça do hotel viu também, pelo amor de Deus, não matem o homem, não façam isso, debruçada na janela, vendo tudo, a coitada.

O homem era forte.

Fazendeiro, estabelecido também com negócio de algodão, bem relacionado desde que chegou aqui vindo de Mossoró. Rico. Valente. Galego, tipo holandês. Não se metia em política. Pelo menos na linha de frente, em diretório, reuniões, conchavos, essas coisas. Trabalhava para aumentar sua fortuna. Bonitão. Cuidava de ampliar a família. A sua e a de outros. A fama de garanhão espalhada, feito a do touro reprodutor, que ele comprara a peso de ouro na Bahia, em Minas, sei lá onde.

Quem mandou matar?

Quem matou, foi fácil saber. Eram dois. Passado o choque, pouco a pouco foram aparecendo os detalhes. À boca da noite, compraram meia garrafa de cachaça na bodega e foram beber embaixo da ponte do Colégio. Um dos criminosos amolara a foice em plena luz do dia e à vista de um vizinho, no sítio onde residia. (Mas isto só se soube bem mais tarde pelas investigações da polícia). Afinal, quem foi o mandante, se eles nem conheciam a vítima… especulava-se.

Tem mulher nessa história.

Os ouvidos da cidade atentos às conquistas amorosas do galego. O disse-me-disse, porém, durou pouco. Só até a hora em que o barbeiro revelou o que viu e escutou. Na porta de sua barbearia, o homem forte falou, em voz alta, para ser ouvido por um freguês de idade que cortava o cabelo. Mais do que a frase, o velho foi esmagado pelo deboche:
– Finalmente vai nascer um homem numa certa família.

A alma do velho estremeceu.

Crime ou não, iria nascer um neto do velho à margem do padrão familiar da época. A cena do homem rico a penetrar sua potência de macho na intimidade da sua jovem filha atormentava, dia a dia, o juízo do pai. Antevia golpes de peixeira esguichar sangue. Neste silêncio angustiante nasceu a decisão de encomendar a morte.

Crimes assim são fácil de entender. Armas conhecidas, executores primatas. Já os crimes de corrupção ativa e passiva, de lavagem de dinheiro exigem instrumentos sofisticados. Difícil de entender e investigar. E os criminosos? Empresários poderosos, políticos a quem nós, eleitores, entregamos o poder. Só mesmo com delação premiada. Do contrário, os Odebrecht da vida brasileira continuarão a reinar no submundo do poder.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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