O voo inaugural
Todos queriam ver primeiro. Erguiam o olhar para o céu a procura de um sinal. Não eram nuvens que buscavam. Era um rastro. O rastro das promessas. Está no Gazeta: 6.223 dias de promessas! A última foi anunciada, mês passado, à Paraíba inteira. Coisa certa. O voo inaugural será no dia 27 de outubro de 2016. Prego batido ponta virada. O senador não falha, dizem, e tem prestígio com Temer. Por isso, ontem, quinta-feira, o aeroporto fervilhava de autoridades. Prefeitos, vereadores, secretários. Deputados. E até um senador novo em folha… Representante do bispo. Empresários, dirigentes de faculdades e clubes de serviço. Ansiosos, todos a perquirir a grande aeronave!
No balde do Açude Grande, outro ajuntamento.
Daqui a gente vê melhor a bichona, disse um professor que acabara de liberar os alunos, e aduziu, muita gente está aglomerada na UFCG e na FAFIC. Nem tudo, porém, era aplauso. Surgiram pregoeiros do negativismo. O filósofo Saulino, por exemplo, ficara no beco de Gobira, a chamar de palhaços os crédulos. E lá permaneceu, sentado no tamborete, com a cerveja gelada, claro.
A cidade estava em festa!
Até que enfim, seria inaugurado o aeroporto regional Professor Pedro Vieira Moreira! Faz oito anos – em terreno doado pelo médico José Maria Moreira -, começara a construção da pista, com foguetes, palanque, discursos e um monte de puxa-saco… Já se vão três mandatos de dois governadores. Dois incansáveis governadores. Incansáveis em prometer… Prometer um aeroporto decente, com pista segura, balizamento noturno, cerca padrão universal, terminal de passageiros, estacionamento, acesso bem sinalizado etc. etc.
E homologado pela ANAC.
A região teria, enfim, um equipamento apropriado para receber aviões de linhas comerciais para satisfazer à demanda de cidades da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte. Procura estimulada pela extraordinária expansão do ensino superior, tecnológico e técnico, pela robustez das atividades comerciais e de prestação diversificada de serviços, embora ainda modesta a produção agrícola irrigada e acanhado o parque industrial, mas com potencial a explorar, considerando uma área de cem quilômetros de raio a partir do aeroporto.
O voo inaugural acalentava o sonho.
Um sonho de três gerações, desde que o progresso inutilizou o velho campo de aviação Antônio Tomaz, onde pousavam os guerreiros DC 3 da VARIG.
Pois bem, eram mais ou menos 11 horas quando apareceu um ponto no horizonte. Aumentou a euforia. Porém… ah, porém… Ih, não pode ser, reagiram, é muito pequeno para um voo inaugural! Que é isso, não, não pode ser…
Calma, gente, é o avião de Zerinho!
Minutos depois, outro burburinho. Outra decepção. Era o monomotor do Armazém Paraíba! E logo em seguida, mais um. E outro. E outro mais, este vindo do poente. O professor José Antônio exultou: é João Claudino! Ora, ora, todos esses aviões já pousam aqui desde que Zé era o governador.
E aí, cadê a bichão?
Agora, sim, era ele! É ele, é ele, agora é… Lá vem. Ih, mas vem muito devagar. É assim mesmo, voo inaugural é desse jeito. Lento demais, vocês não acham? Ora, está longe ainda o pai d’égua. Ih, sei não, sei não… Porra, que diabo é isso? Tá com a bexiga, uma miséria dessa, onde já se viu! E de repente, vozes ecoaram até o serrote do Quati:
Tartaruga voadora! A tartaruga! A tartaruga!
Mais tarde, o filósofo Saulino gargalhou no beco de Gobira. Bebeu outro gole e decretou: bem feito, agora Cajazeiras vai se chamar Palhaçolândia!
Francisco Frassales Cartaxo
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