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Francisco Cartaxo

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O voo da guará vermelha

22/11/2021 às 19h04

Coluna de Francisco Frassales Cartaxo.

Por Francisco Frassales Cartaxo

Peão da construção civil, carregado de angústia, num domingo à tarde, bate pernas pela cidade grande e encontra uma desolada prostituta, ansiosa por grana para remeter à velha de “braços encarquilhados”, que cuida do filho. Assim, num encontro à toa de dois excluídos, começa O voo da guará vermelha, de Maria Valéria Rezende. A partir daí, desenvolve-se singela história de amor entre Irene, já marcada pela aids, e Rosálio, trabalhador saído dos grotões em busca de sonhos. Aprender a ler é um deles.

Num prostíbulo decadente se entrelaçam vozes e corpos dos dois personagens principais. O protagonista, quase sempre, conduz a narrativa. Nascido em um ponto qualquer do sertão, Rosálio percorre veredas, encara a sujeição do trabalho escravo, o submundo do garimpo, o corte da cana-de-açúcar, a dureza de acampamento dos sem-terra e da construção civil.

Rosálio vai revelando sua vida, em colóquios com Irene (que nos seus devaneios confunde Rosálio com Romualdo, um amor juvenil), na medida em que leitor é distraído por “histórias de homens valentes que combatiam dragões, assim como Dom Quixote da história que lhe falei, romances de belas damas que aprendeu dos cantadores que ouvia cantar na feira”, como fala um personagem circunstancial.

O ritmo das vozes assemelha-se ao dos folhetos de cordel. Trechos e mais trechos nos dão a sensação de ouvir Patativa do Assaré declamar seus poemas. Ou escutar um cordelista de feira contar histórias fantásticas. Recurso ficcional de enorme efeito sedutor. Se o leitor é sertanejo, então, ele amolece o coração, se deixa mergulhar em sua própria alma e viaja ao passado. O desfecho da história confirma e expande essa emoção.

O narrador oculto interfere de modo sorrateiro, trazendo para junto dele os personagens, a ponto as vozes confundirem-se na mesma simplicidade narrativa. Técnica nem sempre explorada com o sucesso alcançado por Valéria Rezende, no que, aliás, lembra a fórmula aplicada por Lygia Fagundes Telles no conto Pomba enamorada ou uma história de amor.

O Voo da guará vermelha é figuração do Brasil real, da violência do trabalho escravo, das barracas de lona dos sem-terra, do esforço físico até a morte na palha da cana. Brasil cruel. Tal qual a vida de uma prostituta aidética e um trabalhador analfabeto que, no final do romance, se contorce para agarrar-se ao sonho de menino nascido nos confins do mundo.

Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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