O velho do chapéu de palha
Por Francisco Frassales Cartaxo
No domingo da ressurreição fui caminhar aqui perto de casa, sozinho, na quietude manhã da festa cristã. Andei no Sítio Trindade, um espaço público de mais de seis hectares com um chalé de 600 m2, onde se respira história. No tempo dos holandeses (1630-1654), foi sede do Forte Arraial do Bom Jesus, ponto de resistência luso-brasileira. Do Forte, existe apenas marcos. Quando Arraes era prefeito do Recife, em 1960, virou sede do Movimento de Cultura Popular, com Paulo Freire, Ariano Suassuna, Brennand, Abelardo da Hora engajados no processo de educação popular. Experiência que durou pouco.
Em lugar da leitura, tanques do Exército.
Muita gente foi presa. O material didático, cultural e artístico apreendido, queimado ou usado como “prova da subversão”. Hoje é local de festas populares. A pista de caminhada, à sombra de árvores enormes, é enladeirada, ótima para minhas pernas, sobretudo, à esquerda, de onde extraíram a safena levada a meu coração. Não havia muita gente naquele domingo. Cruzei com pernas longas e curtas, brancas e pretas, finas e grossas. De soslaio, vi peitos comprimidos em sutiãs vermelhos e bundas desenhadas em malhas a realçar seu formato no balanço do andar.
Nada disso me atraia.
Fixei-me num chapéu de palha, na cabeça de um senhor, que caminhava a passos mais lentos do que os meus. Mas o perdi de vista. De repente, o vejo ao lado da pista, sentado no meio fio, afastando gravetos e folhas secas de uma plantinha. Reduzo a marcha, chego mesmo a parar, a curiosidade aguçada pela visão de alguém com puído chapéu de palha, hábito não usual nestas bandas. Bem perto, observo-o acariciando a tenra planta, após protegê-las daqueles intrusos, afastados com cuidado de mãe.
Na volta seguinte, ele sumira.
Corro a vista ao redor, sem notar sequer pernas nuas e bundas balançantes, ali expostas ao alcance de meus olhos, mas fora de meu interesse. Cadê o chapéu de palha? Me aproximo do local onde o descobrira sentado, minutos antes. Me agacho, curioso. Que plantinha seria aquela? Deslizo os dedos na folha. Aperto sem a ferir. Levo os dedos ao nariz. Aquele cheiro, familiar, muito familiar, me transporta aos seiscentos quilômetros que me separam da Praça Cristiano Cartaxo.
Cajá!
Um tenro pé de cajá, no secular Sítio Trindade, o velho Arraial do Bom Jesus, lugar onde se respira história de resistência libertária. Hoje, para mim, lugar de saudade. De saudade e amor a Cajazeiras.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário