O sabiá morto de saudade?
Quando retornei do carnaval, em Cajazeiras, encontrei um burburinho na entrada do prédio onde moro no Recife. Um clima de excitação tomava conta do porteiro, do vigia, do zelador, todos ansiosos, querendo falar comigo ao mesmo tempo. O Santa Cruz venceu de goleada, pensei, ou levara uma surra? Talvez tenha acontecido alguma pequena tragédia no meu apartamento… o gás de cozinha, a água, que foi, que foi houve, me digam logo!
– O sabiá, doutor Cartaxo, o senhor sabe, aquele casal do ninho?
Ah, então foi o sabiá… por favor, um de cada vez.
– Quando o senhor tava viajando, doutor Cartaxo, o sabiá…
Faz tempo que o tratamos com carinho e comida. Mais de uma vez, ano passado, o casal construíra seu ninho numa árvore da nossa rua. Já escrevi acerca deles, neste mesmo espaço. Entre o aconchego maternal e o local onde acomodamos as frutas num arbusto é bem pertinho. Um voo curto e, pronto, o bico da mãe abastece o bico do filhote.
Tudo muito fácil para mãe e filhos. Esse vai-e-vem nos diverte. Mais que isso, nos alegra. E nos anima a diversificar o alimento: banana, mamão, manga, jambo, goiaba. Claro, outras aves também fazem a festa. Azulão, sanhaçu, guriatã de coqueiro e um monte de pequenitos de várias cores que voejam no minijardim em frente ao prédio.
Faz tempo que começou esse amor.
Um porteiro louco por banana, vez por outra, enganchava uma no arbusto do jardim. De tanto repetir, o gesto virou hábito. Para ele e para o sabiá. Fui um dos primeiros moradores a aderir à prática de também alimentar os pequenos animais. Por simples prazer. Da gente e das aves. Antes da caminhada matinal, diária, lá estou eu deixando modesta contribuição para manter viva e alegre a natureza, nesta cidade do Recife, que o homem fez perversa. Perversa e agressiva. Edifícios, carros e motos. Eita trio fela-da-puta! Sobra pouco espaço para pedestres, bicicletas, gatos e aves.
Cachorros, não.
Em moda, eles parecem príncipes dos contos de fada. Na Praça da Casa Forte, lá estão eles com seus guias… Guias? Desculpem. Cuidadoras. Isso mesmo. Cuidadoras de cães! Todo santo dia. Ainda ontem, uma jovem distribuiu seu cartão profissional. Até hotel de fim de semana ela mantém, para tranquilidade dos donos de cães em viagem de lazer, trabalho ou coisa que o valha. Deve ser profissão rendosa cuidar de cachorro. Ela mesma disse, sem pabulagem ou sentido subalterno: Cansei de me matar em sala de aula. Era professora concursada do estado, com direito a férias, treinamento pedagógico, adicional disso e daquilo no contracheque mensal. Cansou. Largou tudo e, hoje, vive feliz com seus cachorros. E os dos outros, disse, mostrando no sorriso a satisfação da nova profissão.
Volto ao sabiá.
Não tendo idade para mudar de profissão, aliás, nem profissão tenho mais. Retorno do carnaval em Cajazeiras e encontro meus amigos na portaria do prédio em total alvoroço.
– Sabe aquele casal de sabiá que vinha comer aqui?
Claro, que foi, morreu? Mataram?
– Não, não… um dia, quando o senhor viajou, eles entraram aqui no prédio, voando, voando até o elevador… começaram a cantar, os dois, doutor Cartaxo, um canto triste…
– Queriam entrar no elevador, subir, subir até…
Que invenção é essa, vocês querem brincar comigo!
– Não, não, verdade, eles queriam saber se o senhor ia voltar!
P S – Crônica escrita durante a releitura d’O reino deste mundo, de Alejo Carpentier.
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