O Preço do Sangue Negro
Por Padre Renato
Recentemente, visitei com um grupo de excelentes amigos um museu senzala, no município cearense de Redenção que, cinco anos antes da Lei Áurea, aboliu seu regime escravocrata, em 1883. As origens senhoriais e econômicas daquele lugar remontam ao século XVIII e encontra período áureo no auge da cultura canavieira; legou para os homens do século XXI marcas que conduzem os visitantes a uma viagem no tempo.
Não se trata de um ambiente salubre. Os atuais proprietários mantiveram a antiga estrutura e transformaram a casa grande e a senzala em pontos de visitação. Lá, ferramentas usadas nos castigos estão expostas ao público e tocam mui profundamente a sensibilidade de quem delas se aproxima. Correntes, gargantilhas, troncos para açoitamentos, solitárias verticais para emparedamento e toda a sorte de objetos e lugares de suplício.
É marcante e evidente a discrepância entre a vida dos livres e a vida dos escravos. Nunca tinha antes ouvido de uma senzala abrigar escravos aos pés dos senhores. Terminada a lida no campo (ou noutras atividades), os negros eram conduzidos ao aprisionamento (totalmente desumano, pois escuro e completamente insalubre), que ficava exatamente embaixo da casa grande, no porão. Enquanto os livres dormiam tranquilamente, um ou dois metros abaixo, escravos expiravam por não suportar tantas dores.
Cerca de noventa homens, mulheres e crianças, depois de um dia de trabalhos forçados e sem comida, eram confinados naquele espaço. O teto forçava o caminhar cabisbaixo e as correntes, os troncos e as gargantilhas estavam sempre ocupados com homens, mulheres e mesmo crianças. Muitas vezes sem motivos, um escravo era açoitado ou tinha que passar a noite na gargantilha (preso pelo pescoço num ferro fixado na parede) para servir de exemplo mesmo para aqueles que sequer tinham reagido às agruras dos feitores. Um festival macabro de sadismo, regado a muitos sussurros e dentes travados.
Numa sala contígua, as mucamas, sempre em número de dez, serviam à Sinhá e as suas andanças matinais, e às lascívias do senhor. No lugar visitado, famosa ficou a história de uma destas escravas que, cuidando do primogênito da casa, derrubou o menino e, sem querer, o matou. Seu castigo foi o tronco, seguido de queimaduras graduais do corpo, até que os ferimentos se completassem. Por fim, moribunda, foi enterrada viva.
Confesso que voltei para casa refletindo uma frase que o Sr. João Adelino, pai do Pe. Gervásio Queiroga, dizia: “o Brasil está pagando pelo que fez aos escravos”. Seu João tinha razão. A “conta” que nós contraímos com a escravidão está sendo paga. Os descaminhos do nosso país têm uma origem e uma causa. O preço é altíssimo. Sangue derramado injustamente é um dos pecados que clamam ao céu. E Deus, que não é vingador, faz justiça, por ele é justo.
Muito sangue foi lançado ao solo.
Pena que os “brancos” não reconhecem os seus erros e continuam fazendo verter sangue. Ainda temos muito do que nos purificar.
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