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Francisco Cartaxo

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O papa e o fogo do inferno

02/03/2015 às 09h44

O papa Francisco é um arretado. Sem estardalhaço (não beija o solo quando visita outras terras), usa a mídia com parcimônia para lançar ideias novas ou manifestar-se em torno de assuntos tabus. Tabus para um papa, bem entendido. E mais, aqui e acolá, puxa temas que mexem com estruturas consolidadas de crenças, usos e costumes da Igreja. E da humanidade. Agora mesmo ele andou atiçando o fogo do inferno. 

Ou melhor, esfriando o fogo do inferno. O argentino Jorge Mario Bergoglio disse que a Igreja “não condena para sempre”. Oxente, então o fogo do inferno não é eterno? Aprendemos desde menino que as labaredas queimam para sempre os pecadores. Já na primeira comunhão, senti o medo de ser queimado (que horror!) no meio daquele fogaréu, as imagens formadas na minha cabeça em meio à pregação dos padres nos retiros espirituais. Retiros que terminavam sempre com apavorantes cenas de demônios de chifres e lanças de três pontas a empurrar o desgraçado pecador para o fogo eterno… 

Ajoelhado no confessionário, arrependido de verdade, confessei até pecados que não cometera! Um horror! Com medo do inferno sem mais chance de perdão, mais tarde busquei desesperadamente obter nas indulgências um lenitivo capaz de abrandar o sofrimento que as fantasias de criança ampliavam sem limite. 

Pois bem, o papa Francisco põe unguento no fogo eterno. Ora, se a Igreja “não condena para sempre”, então, quem sabe, o próprio fogo do inferno seja apenas simples metáfora para explicar melhor a gravidade do castigo imposto ao pecador. Simples metáfora… Menos na minha cabeça de menino. Aquilo era real e nos faria amargar para sempre uma fogueira de São João acesa a vida toda, feito lenha verde… Ah, sofrência! E não era eu apenas, abestalhado e inocente, a apavorar-me. Muita gente tinha a mesma sensação. Guardo na memória cenas e gestos de pessoas simples, da zona rural de Cajazeiras, sentadas no alpendre da casa do meu pai no sítio Prensa, a conversar ainda sob o impacto das Santas Missões de frei Damião. Repetiam o que eu mesmo ouvira na voz espremida, embrulhada, tenebrosa do frade italiano, a ameaçar aquele mundão de gente na Praça da Igreja:

– Ai dos amancebados, eles serão castigados com o fogo do inferno…

Não havia diferença entre eles e eu, em matéria de percepção. Éramos iguais. Hoje, o papa Francisco traz um alento a vivos e mortos. Estaria ele querendo desmanchar verdades eternas da Igreja? Não, pelo que li no El Pais. Essa coisa de condenação para sempre foi criação intelectual de Santo Agostinho. Não traz, portanto, o DNA de Deus. Teria sido Santo Agostinho o responsável por impingir sofrimento eterno ao condenado, ao formular a doutrina do pecado original, base a partir da qual se chegou ao castigo eterno, depois que iluminados sábios e santos percorrerem caminhos do saber e da fé.

Ah, esse papa Francisco é um arretado. Tem induzido a Igreja e a humanidade a refletir acerca de temas adormecidos. Sem sobrosso, ele expõe à luz do dia sujeiras internas (pedofilia, corrupção no vaticano etc.), guardadas anos a fio. Agora lança à meditação a possível falsa perenidade da punição. Santo Agostinho talvez lhe tenha inspirado. Ora, antes de converter-se ao cristianismo, Agostinho viveu em concubinato um amor verdadeiro. E até foi pai. 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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