O medo dos pombos do meu bairro
Faz tempo que desejo falar dos pombos do meu bairro. Sonho compartilhar pequenas emoções ao vê-los nas árvores, nos fios ou na grama da Praça da Casa Forte. Queria falar dos arrulhos dos machos na corte às fêmeas. Ou seriam as fêmeas sedutoras dos machos? Sei não. Não sou ornitólogo. Arquivei, porém, esse meu desejo antigo diante de revoadas desnorteantes, impostas às aves do meu bairro. Por que fogem? Com medo de foguetes e bombas de barulhentas carreatas nesta esdrúxula encruzilhada eleitoral. Não há lugar, portanto, para leveza ou poesia.
É triste ver os pombos desarvorados.
Os pombos têm medo. Um medo igual àquele sentido pelo jornalista Gonzaga Rodrigues. Explico. O inigualável cronista de João Pessoa me confidenciou num domingo de fastio.
– Mago, que é isso que tá acontecendo?
Gonzaga se referia à presença, incômoda, do capitão Bolsonaro nas conversas de seus amigos e conhecidos. Mais do que nas conversas. Na preferência de gente insuspeita de abraçar ideologias radicais de direita. Gonzaga falou da intolerância de eleitores de Bolsonaro, dando exemplos. Citou grupos de médicos e de pessoas próximas que rezam o terço, vão à missa e têm fé. E acham a tortura o mais abominável ato praticado pelo homem. Mesmo assim, votam no capitão. Não vejo lógica nisso, confessou-se horrorizado, há um mês. Naquele dia, deixei vazar minha convicção.
– Negão, essa bolha não resiste a 15 dias do guia eleitoral.
Falei com a pretensão de quem sempre acompanha de perto as eleições. E expus três razões básicas para afastar de Gonzaga o medo de ver Bolsonaro na presidência da República. Existem razões históricas, eu disse, nunca o brasileiro escolheu, pelo voto, um radical. Nem de direita nem de esquerda. Depois de nominar os representantes do atual radicalismo, citei outro motivo: o horário gratuito de rádio e televisão vai abafar os sectários. Estes definharão. Acrescentei um terceiro argumento, óbvio a quem é familiarizado com fenômenos eleitorais: sem estrutura partidária para sustentar o nome do candidato, nada feito. Gonzaga a tudo ouviu, como a um oráculo.
– Mago, você me dá alma nova.
Cai do cavalo.
Quebrei a cara. Naquele domingo de fastio fiz-me um péssimo profeta. Não incorporei em minha análise um fator crucial para entender este pleito: o medo. O medo é forte sentimento, capaz de impulsionar reações individuais inacreditáveis e reunir multidões em movimentos formidáveis.
Eis o Brasil 2018.
Há medo de sobra. Medo do retorno do PT ao governo. Medo que canalizou para Bolsonaro o sentimento antipetista que medra na sociedade brasileira, após a destruição do sonho de ser feliz, com ética, prometido lá atrás, sob o signo da estrela nascente no pós-ditadura. Existe outro medo forte. Medo de Bolsonaro, um político que usa símbolos e gestos violentos para barrar a violência. Que paradoxo! Um líder medíocre. Deputado há quase 30 anos, Bolsonaro é um ausente do debate das grandes questões nacionais. Despreparado para ser presidente da República… ah, pergunte ao Paulo Guedes, em imitação grotesca da propaganda do Posto Ipiranga!
Ele próprio também tem medo. Apesar da arrogância de seus gestos de xerife, Bolsonaro tem medo das mulheres. Por isso, as desdenha, apegado que é a preconceitos deformantes.
Ao contrário dos pombos do meu bairro, no entanto, as mulheres não fogem desarvoradas. Unem-se na defesa da democracia e da liberdade. Graças a Deus.
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