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Mariana Moreira

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O insignificante em mim

28/06/2021 às 18h22

Coluna de Mariana Moreira. (Imagem reproduzida/internet).

Por Mariana Moreira

As vestes simples e rotas se alinham e perfilam o corpo franzino. Camisa aberta no peito mostrando dobras de uma barriga ávida de alimento. A pele tostada de sol traz vincos de tempos de existência e experiências de vida, enrugando levemente o rosto de traços que evocam personagens de Guimarães Rosa. Os olhos escondidos de tristeza e incertezas se escondem atrás das escuras lentes dos “óculos de descanso”, desses que procriam em barracas de camelôs. Os pés de unhas gastas e calcanhares rachados se aninham em sandálias de dedo.

A velha bicicleta de origem indefinida pelo tempo traz marcas da ferrugem que pontilha algumas peças com tons ferrosos. A bicicleta em si já traz impressa a história de tantos consertos e remendos que lhe desconfigura a originalidade. Nos guidons uma profusão de sacolas plásticas penduradas, grávidas de bugigangas tantas e não reveladas.

Ele diligentemente estaciona sua bicicleta no meio fio de uma rua principal da cidade e, na calçada, inicia seu ofício cotidiano. No pescoço uma caixa de som portátil com microfone acoplado. Como fundo musical um animado e esfuziante forró, daqueles que mexem com as estruturas ósseas, musculares e afetivas até mesmo dos mais empedernidos. Aterrissado na calçada, baixa o fundo musical e começa a propagar informações que, tangidas pelo vento e misturadas ao burburinho dos carros, buzinas, vozes humanas, se indefinem quanto ao conteúdo. Se misturam propagandas de lojas e comércios vários, pregações de teor religioso, relatos escoteiros de vivências, desejos de reconhecimento. E segue o métier de inventar a vida como se a arte de viver fosse definida e delimitada pelas fronteiras alcançadas por sua bicicleta, sua caixa de som, seu microfone e a calçada da rua transformada em palco para seu espetáculo.

De onde veio, que laços familiares cultiva, quais sonhos e esperanças alimenta? Informações desnecessárias a pressa dos que circulam a rua e o transforma num invisível incômodo a entravar o fluxo natural das coisas, das gentes, das tarefas. Seu nome é uma informação trivial para a ligeireza de códigos de barra, de senhas de acesso, de mensagens virtuais monossilábicas. Sem interesse. Somente mais um entre tantos anônimos que se espalham por calçadas, bancos de praças, marquises, improvisando criatividade e inventando viveres pelo mero exercício da vida.

Mas, o que importa!

Apenas mais um insignificante personagem a obstruir calçadas e irritar ouvidos.

E como esta insignificância me seduz e fascina. E somo outros tantos insignificantes que, presentes ou em memória, me alentam o humano e afaga o gentil em mim.

E sinto saudades de Noventa e Nove, Cachimbo Eterno, Chica Mão Branca, Rosa Beba e tantos que, invisíveis a muitos, para mim alinhavam os retalhos do meu existir.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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Professora Universitária e Jornalista

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