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Cristina Moura

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O engenho do mundo

11/08/2022 às 17h33

Coluna de Cristina Moura - foto: reprodução/mundoeducacao.uol.com.br

Por Cristina Moura

Cada obra de José Lins do Rêgo é capaz de construir diversos mundos dentro de cada mundo nosso. Ao ler e reler as criações do mestre escritor, eu estico o prazer de me instalar num determinado momento da nossa História. A cada narrativa, aparece uma vivência do autor traduzida como um aprendizado colhido de várias situações, tanto das alegres festividades ou rodas de anedota quanto dos carões e machucados da vida. O menino desabrocha no leitor, remexe nossos modos de pensar e deixa ecoar uma rica infância, ao mesmo passo que desperta nossas próprias peripécias. Esses ecos vêm em cada arquivo de lembrança, em cores, relâmpagos, névoas, tufos e tufos de novelos com os ensinamentos que somos convidados a compreender.

Entre uma obra e outra, vou pinotando entre os canaviais, sentindo que sou parte, como leitora, de um horizonte que mora na literatura universal. A obra permanece. É aberta, viva, ilustradora de um tempo e um espaço. Esse transporte seguro da leitura vem acompanhado com um mapa surpreendente em todo capítulo. Quem embarca tem direito ao cheiro de melado, em porções gentis que deixam transparecer as doutrinas eficazes para a época. O menino demonstra como foi educado para entender o real valor daquele barulho da boiada, daqueles feixes queimando, daqueles tachos de garapa que refrescavam a labuta.

Zé Lins foi agraciado com uma intensa inspiração e descortinou o ciclo da cana-de-açúcar estabelecido nas várzeas do rio Paraíba. Seu avô, José Lins Cavalcanti de Albuquerque, o Seu Bubu, foi proprietário de oito engenhos, uma riqueza considerável. Mas é sobre o engenho Corredor que desatam as melhores reminiscências. Esse cenário começa em Menino de engenho (1932) e surge nas obras seguintes, como se fosse um selo ou um fantasma eterno.

O jeito de ser do menino permeia toda e qualquer escrita do mestre, e gruda nas páginas das crônicas, dos romances, das novelas. Para alguns críticos da Literatura, Lins instaurou um modelo do que seria compreendido como o moderno romance brasileiro. Com uma prosa singular, misturando o modo de imaginar e falar, o autor paraibano nos apresenta um panorama detalhado sobre a transformação da economia brasileira, até a metade do século passado, chamando a atenção para a diminuição dos engenhos com a chegada das usinas. Essa sequência é brindada com algumas obras do menino da cidade de Pilar.

Há muito para se falar de Lins. Eu precisaria de muitas crônicas para dar conta. Nem sei se daria. Para examinar Fogo Morto (1943), por exemplo, considerada a obra máxima do autor, é fundamental ter visitado o menino. Fundamental. Fiz o teste. Senti na pele da palavra. O traçado fecha o ciclo açucareiro e nos prova o talento pulsante do escritor, que desenvolveu sua própria história em forma de ficção, de maneira ímpar. Encontramos, então, mais uma façanha da Literatura, o mundo fictício com caracteres de carne e osso, utilizando a verdade como base. Como se fosse uma fantasia levada a sério. Um faz de conta, mas dentro de um prato cheinho de realidade. Eita, menino.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

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Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

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