O carro do ovo em tempo de Páscoa
Por Francisco Frassales Cartaxo
Lá vem ele. Ainda distante, já escuto o som fanhoso. Quando se aproxima de minha rua, aí sim distingo: trinta ovos por dezesseis reais, uma bandeja com trinta ovos por dezesseis reais. Ou então: dezoito ovos por dez reais. E segue, repetindo a oferta, variando, a cada dia, apenas o preço e a quantidade de ovos expostos à venda. Ovo de galinha, de verdade, e não ovos de Páscoa. Estes inundam gôndolas dos supermercados, nesta época, menos do que em anos anteriores. Ovos de todos os formatos e tamanhos, em atraentes e coloridas embalagens. Para todas as situações do bolso, da bolsa, do limite do cartão de crédito. Destes ovos não quero falar. Apenas lembrar que este ano – de mortífera pandemia, com hospitais e cemitérios lotados de milhares de vítimas, de milhões de famílias desorganizadas, com finanças muito mais precárias – quero dizer que este ano aumentou, enormemente, a produção caseira de ovos de Páscoa. Um pequeno alento em meio às devastadoras consequências da covid-19.
O carro do ovo está em todos os lugares. No Nordeste bem mais, imagino. O “carro” pode ser uma moto ou uma bicicleta. Nunca vi carroça de ovo, mas deve existir em rincões mais remotos do que Cajazeiras, onde, me disse Christiano Moura, ainda não circula no sacolejo do passo do jumento. Não pense o leitor que a “invasão” do carro do ovo foi iniciativa genial de empreendedor isolado cheio de criatividade. Nada disso. Não pesquisei, mas é possível que tenha surgido em função de superprodução de ovos, aqui no Nordeste, região que concentra a maior produção de ovos e frangos. Do contrário, o carro do ovo não teria nascido feito cogumelo em tempo de chuva.
Uma bandeja com trinta ovos por dezesseis reais, dezoito ovos por dez reais. O som, meio rouco e cantante da gravação, chega a meus ouvidos com uma tradução bem diferente, suave e familiar: Frassales, vá no chiqueiro pegar os ovos. A voz de minha mãe! Límpida. Determinada. Você ouviu as galinhas cantarem? A voz de minha mãe! Uma ordem como quem faz um carinho. É isso que escuto. E sinto sair do fundo da memória a voz clara de minha mãe, quando ouço o carro do ovo passar na minha rua espalhando o som fanhoso da gravação: dezoitos ovos por dez reais.
Feliz Páscoa!
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL
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