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Francisco Cartaxo

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O canto da rolinha

17/01/2021 às 09h27

Coluna de Francisco Cartaxo

Por Francisco Cartaxo

O canto se espalha ao redor do apartamento. Um som cadenciado, triste, monótono. Repetitivo. Ouço enquanto engreno as primeiras tarefas da manhã. Só tenho ouvidos para aquele canto triste. Nada me desconcentra. O raro barulho da rua, quase deserta ao amanhecer, uma ou outra voz humana, vinda da vizinhança ou de raros passantes. Só motores de veículos me perturbam um pouco. Logo, logo volta a reinar o canto solitário da rolinha.

A chaleira do café ainda não apitou.

De onde vem o canto maravilhoso que inquieta minha alma? Do pé de jambo, das mangueiras, da cheflera, das palmeiras? Corro o olhar, tento sincronizar ouvido e vista, miro o telhado das casas vizinhas. Nada. Ufa, lá está ela, a rolinha, num fio dos muitos que enfeiam as ruas do bairro de Casa Forte. Sozinha. Aquele canto sincopado me leva à infância e a outras saudades. Saudade de mim mesmo, confesso, que me transporta para Cajazeiras, sobretudo, para o sítio urbano onde nasci. Ainda hoje lá permanece, embora fatiado, com três casas ao invés da solitária morada de meus pais. Era quase igual às casas simples da zona rural de antigamente, rodeadas de alpendres cobertos de telhas de barro para não aumentar o calor brado do sertão.

O apito da chaleira!

O cheiro do café fumegante me traz à memória a figura de minha mãe. Sentada na cabeceira da mesa da cozinha, revivo o costume de tomar o primeiro café da manhã, o rádio ligado bem baixinho. Maria Ilina, faça uma tapioca pra seu irmão. A voz de minha mãe abre os guardados do amor. Depois, prepare o cuscuz com ovo, ele gosta. Ou você, Frassales, prefere macaxeira? A voz de dona Isabel… límpida como a lágrima que não posso evitar.

Minha mãe!

Suspiro. O canto solitário da rolinha caldo-de-feijão me leva ao caminho inverso. Volto à realidade atual. Dia desses, caminhando ao lado de Denilson, vi um pequeno grupo de rolinhas caxexas no chão de asfalto, bicando o de comer. Passinho curto em zigue-zague, elas catam com o bico o que podem. Paramos. Em voz baixa, expliquei a ele a diferença entre os tipos de rolinha, a variedade do canto, a cor.

Citei os nomes mais comuns. Caldo-de-feijão, branca, fogo-apagou, caxexa… Meu filho, nascido e criado em cidade grande, atento escutou a aula. Deni apenas escutou. Não sentiu a alma remexer.

De minha parte, me deixo penetrar pela suavidade do canto da rolinha, triste, sincopado, monótono. Tal qual a vida de um confinado pandêmico.

P S – Dedico esta crônica a todas as pessoas que, longe de sua terra natal, não têm a oportunidade de embarcar sua saudade no canto da rolinha, neste angustiante tempo de pandemia.

Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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