O calendário não interrompe os sonhos
Engraçado, o ano de 2020 começa no meio da semana. Quarta-feira. Justo no meio. Quando eu era criança, estranhava essa história de um ano novo não ter início no domingo. Ora, o domingo era o mais importante dos sete dias da semana. Por quê? No domingo as pessoas vestiam as melhores roupas, bem lavadas e engomadas. Limpinhas! Sapatos engraxados. Cabelo penteado, unhas cortadas.
Os adultos assumiam ares solenes. As crianças imitavam os mais velhos. E todos iam para a igreja na hora da missa, o sino badalando avisos intermitentes, primeira chamada, segunda chamada… O domingo, o grande dia!
Agora faço uma confissão.
Certa manhã de domingo, quando eu usava calça curta, encontrei a família de Zuca da bodega, que também voltava da missa. Notei tristeza no seu jeito. Na minha cabeça infante a tristeza dele vinha de não puder abrir sua venda no domingo. No sábado, dia feira, ah, no sábado, a bodega se enchia de gente, que comprava, proseava, jogava conversa fora. E cuspia no chão, quando o freguês tomava uma lapada de cachaça. Presenciei essas cenas que, ainda hoje, acendem na memória. Por isso, desconfio que, para seu Zuca, o sábado, e não o domingo, era o grande dia. Eu não dizia isso a ninguém. Só pensava. Sei lá, podia ser pecado. Ora, com menos de seis anos de idade, ensinaram-me que se pecava por pensamento, palavras e obras. Tolice de criança, igual a besteira de achar que todo ano novo deveria começar no domingo.
Celso Furtado, depois de viver muitos anos, fez esta reflexão: O início de um ano novo sempre me deixava algo desorientado como se se tratasse de uma ruptura real do tempo. É que eu me punha a fazer um balanço do que o ano que findava significara realmente para mim. Ora, o tempo não é mais do que uma ilusão criada pela implacabilidade dos processos vitais. O que é real é o presente, e este está fora do tempo.
Se isso é verdade, o melhor é manter os sonhos do ano anterior. Não para fugir da realidade, nestes tempos de extremas incertezas, mas para fortalecer a luta até a conquista final. Nada de querer escamotear de nossas vidas o ruim ou o péssimo, só porque a folhinha do calendário pulou de dezembro para janeiro, indiferente ao sol, à lua, às nuvens ou às contas a pagar! E essa história de que hoje é um novo dia de um novo tempo que começou… seria enganação da Globo? Talvez. O fato é que cantamos e dançamos, cheios de esperança feito artista de televisão! Até mesmo quem não gostam da Globo!
Agora que a musiquinha saiu do ar, é tempo desejar que o inverno venha com força que nem no réveillon; que os assaltantes de rua e os de colarinho branco sejam, igualmente, punidos; que a Justiça deixe de tergiversar e obrigue os criminosos a pagarem pelos delitos praticados; que as eleições municipais sejam disputadas sem roubo, baixarias e sacanagens; que o eleitor leve a sério seu direito de votar. E, sobretudo, que cada um engate seu caminho em 2020.
A Academia Cajazeirense de Artes e Letras já engatou o seu. Falta aprumar melhor o rumo. Até maio, teremos o primeiro número da Revista da ACAL, a reforma do Regimento Interno, o Edital de inscrição de futuros membros. Quem sabe, a ACAL arranje um lugar definitivo, cercada de vizinhos afins, para bem desempenhar seu notável papel de instituição criada, ano passado, a fim de ajudar a impulsionar a cultura e preservar a histórica riqueza artística e literária de nossa Cajazeiras.
Cajazeirense residente no Recife. [email protected]
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