O bispo e o político ateu
O personagem desta crônica era neto do vigário de Sousa, José Antônio da Silva Guimarães (1806-1888), e um dos muitos descendentes ilustres daquele padre-político que atuou na época do Império. Nosso personagem é neto de padre e filho de chefe político. No caso, o médico Antônio Marques da Silva Mariz (1851-1927), conhecido como doutor Silva Mariz. Portanto, neto de padre e filho de político. E era pai de Antônio Marques da Silva Mariz (1937 – 1995), nosso contemporâneo, lamentavelmente devorado pelo câncer antes de completar 58 anos de idade, mal assumira o cargo de governador da Paraíba, após ser eleito em 1994. Dom José Maria Pires, nas exéquias de Mariz, admitiu: Ficamos frustrados, como relembrou Nonato Guedes no livro A fala do poder.
Mas afinal, quem é esse político?
José Marques da Silva Mariz (1902-1953). Advogado, formado no Recife em 1924, foi promotor, deputado estadual, antes e depois da Revolução de Trinta. Ocupou o cargo de interventor da Paraíba, por um curto período, na transição democrática sob a égide da Assembleia Constituinte Estadual, eleita em 1934, a cuja instalação José Mariz compareceu como chefe interino do poder executivo paraibano. Que coincidência! O presidente da Constituinte era o deputado estadual José Maciel, médico nascido em Cajazeiras, hoje, nome do Hospital Regional. Assim, circunstancialmente, os poderes executivo e legislativo da Paraíba eram chefiados, em janeiro de 1935, por duas ilustres figuras da ribeira do Rio do Peixe!
E o bispo, quem é?
Dom Moisés Coelho, também do sertão do Rio do Peixe. O primeiro a ocupar o bispado de sua terra, responsável por dirigi-lo nos 17 anos iniciais, até 1932, quando foi transferido para a arquidiocese da Paraíba. Deixou no sertão legado valioso de sua ação episcopal, como registro de modo resumido em meu último livro, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero. O bispo e o político, dom Moisés e José Mariz, os dois, formam um duo contraditório: um, homem de Deus, o outro, um ateu. Ateu por convicção. Com doença grave, a família de José Mariz ansiava pela sua conversão religiosa. Conversão que se configuraria na confissão dos pecados, gesto de arrependimento que precede à comunhão, antigo ritual de contrição solitária aos pés do representante de Cristo. Pois bem, o encontro do bispo com o político, na agonia final de José Mariz, foi assim narrado por Celso Mariz:
Muito doente, visitado por Frei Amadeu e depois pelo Bispo, recebeu-os com a habitual delicadeza, mas também categórico nas assertivas do chamamento religioso. Certa vez, como pedisse uma cadeira mais confortável para o último, D. Moisés se aproximou animado:
– Quer dizer alguma coisa, doutor Mariz?
– Não senhor, só para Vossa Excelência ficar mais à vontade.
E prossegue o escritor Celso Mariz, em sua crônica:
Já nas últimas chamas, demonstrou querer-me falar sozinho. Chamou-me perto e disse com força, convicção, espírito de graça: Nessa longa jornada, como dizia o padre João de Deus, era muito bom levar um conforto, mas tu sabes, eu não tenho fé. De modo que, terminou já exausto no gesto definitivo, trata de dissuadir.
José Mariz morreu em 2 de julho de 1953, com menos de 52 anos, deixando frustrado dom Moisés Coelho e, decerto, uma enorme angústia na família do neto do padre José Antônio da Silva Guimarães, o chefe do Partido Liberal de maior expressão no município de Sousa, no tempo do Império.
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