O ancião
Palavras inofensivas podem virar palavrão. Incomodam, agridem. As pessoas mais velhas são mais sensíveis a essas mutações. Ancião é uma delas.Passou a doer nos ouvidos de Sabino, a partir de certa idade.Cajazeirense, Sabino Rolim Guimarães fez o curso de medicina no Recife, na década de 1940, tempos difíceis da Segunda Guerra Mundial, de agitação política, o Brasil a conviver com rancores ditatoriais do Estado Novo de Getúlio Vargas, gerando forte resistência democrática. Sabino e seu irmão, José Rolim Guimarães – aluno da tradicional Faculdade de Direito do Recife – assimilaram com rapidez o espírito de rebeldia daquele tempo,impregnado das ideias de liberdade, democracia e socialismo. José e Sabino Rolim deram as costa são conservadorismo de seus ancestrais do sertão, personagens do coronelismo.
Os dois eram, portanto, rebentos da oligarquia.
Aliás, da mais longaoligarquia cajazeirense. O bisavô deles era Comandante Vital Rolim (1829-1915) e o avô, o coronel Sabino Rolim (1865-1944). Pai e filho foram, no tempo do Império, os chefes do Partido Liberal e, na República Velha, seguidores fieis do maior oligarcada Paraíba, Epitácio Pessoa. Dirigiram, com pequenos intervalos, a política local desde quando Cajazeira sera uma simples povoação do município de Sousa.No Recife, aqueles dois inteligentes jovens estudantes se integraram à militância de esquerda.Mais afoito,José Guimarães sentiu o gosto amargo do presídio de Fernando de Noronha.Anos depois,em 1951, Sabino teve o dessabor de ouvir em Cajazeiras o grito: abaixo o comunista, abaixo o cabeção. Grito vindo das famosas passeatas da frasqueira de seu primo, Otacílio Guimarães Jurema, quando Sabino figurou como vice de Cristiano Cartaxo, candidato derrotado a prefeito.
Guardo na memória.
Sabino Rolim tentou defendeu-se da acusação de comunista, usando a DRP – Difusora Rio do Peixe, serviço de alto-falantes de Murilo Bandeira. Ele suava, o papel tremia na sua mão, a voz oscilava, embora a argumentação fosse consistente. Difícil, porém, convencer o apaixonado eleitorado católico de Cajazeiras, do meado do século XX!Sabino insistia em afirmar que era um democrata, da esquerda democrática, grupo do qual nasceu o Partido Socialista Brasileiro. Nessa época, os comunistas eram ateus e anticlericais ferrenhos. Por isso, Sabino apelou:
Se eu era comunista então o padre Arruda Câmara também era. Comunista também era Gilberto Freire.
E listou outras grandes figuras, insuspeitas da perspectiva ideológica, na companhia das quais ele lutou contra o regime repressor, alinhado à ampla frente política que deu respaldo à deposição de Vargas.
Pois bem, esse mesmo Sabino, que lia muito, continuou com esse salutar hábito. Lia livros, revistas e jornais, desde a época que eles chegaram pelos Correios, em pacotes com 2 ou 3 exemplares, para serem devorados com avidez. Mais à frente, quando estava em João Pessoa, Sabino sentia o prazer da leitura do jornal do dia, ainda cheirando a tinta, redobrando sua satisfação de leitor.
Mas nem tudo era alegria.
Um domingo, a manchete do diário da capital anunciava:ancião morre atropelado. Na página interna ele notou que o infeliz acidentado tinha de 58 anos! Então Sabino ruminou baixinho:58 anos… ancião, ancião…e, aos berros, amassou com as mãos a página do jornal, enquanto berrava:
E quem já chegou aos 70 é o quê, hein, hein, é o quê?
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