O amanhecer nem sempre é aquele
Por Francisco Frassales Cartaxo
O amanhecer me comove. Quase sempre. Acompanhar os primeiros sinais de claridade, o raiar da barra na lonjura do horizonte até o império do sol, é mais do que poético. Traz harmonia, tranquilidade, sossego, paz. É vida. Não que eu despreze o pôr do sol. Longe de mim tal pensar. Mas, sabe o que é, aqui no Recife, onde moro há décadas, o sol poente pinta sem muita emoção. Nem se compara a beleza para os olhos e para a alma do entardecer, apreciado do balde do Açude Grande, em Cajazeiras, vendo-se o Serrote do Quati, lá pra banda do Ceará!
Outra coisa. Não pareço com um personagem, criado pelo padre-escritor Manuel Octaviano, de seu romance de costumes, O Chefe Político, que li quando ainda estudava no Ginásio Salesiano Padre Rolim. Que personagem? Aquele que, à tardinha, costumava contemplava o sol se pôr, sentado numa espreguiçadeira, buscando no passado o alimento dos derradeiros anos de vida. Não tenho o perfil daquela figura imaginada pelo ilustre sacerdote do Vale do Piancó. Apesar dos meus oitenta anos, diviso no sol poente a perspectiva de um novo amanhecer. Ao invés da morte, festejo a beleza da vida.
Nesta época do ano, porém, o nascimento do sol para mim é pífio. Não posso curtir a prazeroso calma de vê-lo, passo a passo, espanar a noite e se impor como rei do universo. Razões concretas embasam essa minha frustração. Neste período do ano, o giro da terra, nos dá a ilusão de que o sol “caminha” para o norte. E nessa andança, do ângulo do terraço de meu apartamento, ele demora a “nascer”. Merda! Só surge quando está alto, detrás de prédios de vinte, trinta e mais andares!
Fica sem graça. Nada igual ao amanhecer que trago n’alma. Tão arraigado que precisa, apenas, de pequenos estímulos à imaginação para aflorar, pleno de recordações e saudade. E amor. Isso cutuca meu coração, levando-me a escrever crônicas pejadas de carinho, flores, emoção e gozo. Coisas boas da vida que, ao brotarem do fundo da alma, espalham energia e alimentam a escrita.
Hoje as aves me salvam. Neste tempo chuvoso, de mortífera pandemia, elas fazem a festa na copa das árvores, em acrobacias esvoaçantes a bicar frutos e insetos. Comovente. Nada parecido, todavia, com o amanhecer que carrego dentro de mim.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL
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