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Francisco Cartaxo

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O algodão e a Universidade

07/05/2019 às 16h09

Fábrica de algodão

Em Cajazeiras não existem mais as usinas de descaroçamento de algodão nem prensagem da pluma nem fábricas de óleo e sabão. O bicudo destruiu o complexo produtivo baseado no tripé algodão, pecuária e lavouras de subsistência. O semiárido nordestino ficou desarvorado a procurar de alternativas econômicas para substituir o algodão por outras atividades geradoras de renda e emprego. As pequenas fábricas de fios limitam-se a importar retalhos e molambos do resto do mundo.

A criatividade sertaneja mostrou-se tímida. Nada capaz de estender-se à toda a região. A agricultura familiar busca a diversificação. Introduziu o algodão colorido, ecológico, em algumas comunidades, no meio do cultivo de lavouras tradicionais, ampliando as fontes de renda, sem agredir a natureza, usando práticas que ajudam a conviver com a seca. Beleza.

O setor terciário modernizou-se.

Incorporou tecnologias novas graças à expansão da informática. Cresceu o comércio moderno, expandiu-se a oferta de serviços médicos, advocatícios e correlatos. Em Cajazeiras, o ensino superior foi fundamental para impulsionar a economia. É notável a presença de jovens em restaurantes, lanchonetes e bares, nas lojas, em pontos de ônibus, na rodoviária. A rodoviária virou uma vitrine dessa nova fase da história educacional e econômica de Cajazeiras. Ali desfilam moças e rapazes, alunos e professores com suas mochilas, livros, cadernos e equipamentos eletrônicos. Dezenas de ônibus estudantis, vans e veículos menores circulam, diariamente, à margem do transporte rodoviário normal, no leva-e-traz de jovens da vizinhança.

Muitos estudantes, ao virem residir em Cajazeiras, impuseram forte alteração no mercado da construção civil, que hoje exibe novo padrão de moradia. A verticalização tem muito a ver com a natureza e dimensão do ensino superior, neste começo de século XXI. Tudo isso é visível e opera como fator de mudança na sociedade cajazeirense.

Essa nova fonte de crescimento de Cajazeiras, porém, não dispensa a base produtiva. Aqui não existem as condições naturais ofertadas, por exemplo, no Cariri cearense: terras férteis, solo profundo, regime de chuva e topografia favoráveis a grandes plantações de algodão transgênico. A menos de 100 km de Cajazeiras, visitei um campo de algodão já em floração. Trezentas e trinta tarefas. Algodão de ciclo curto. Cinco meses, entre o plantio e a colheita. Colhe-se mecanicamente e, em seguida, se faz o desfolhamento artificial e soterramento da plantação. Para quê?  Para evitar a reprodução do bicudo. Isso é apenas o começo, me disse o proprietário, na próxima safra serão 1.500 tarefas! Há outros empresários no Ceará trilhando o mesmo caminho.

Cada vez mais nos distanciamos dos velhos tempos do tripé: gado, algodão e lavoura de subsistência. E de seu corolário, os currais eleitorais.

Já sei, já sei, esse tipo do agronegócio vai contribuir para concentrar renda, sem gerar emprego para os pobres, na certa me dirão. Mas sei também que, do final do século XX e começo deste século, o Brasil apoiou-se no agronegócio para enfrentar graves crises econômicas mundiais. Foi na agricultura, praticada nesses moldes, que o governo Lula surfou. E teve condições de executar a política de transferência social de renda, incluindo os programas de interiorização do ensino superior e tecnológico.

Agora, o governo de Jair transformou a Universidade em inimiga. Quer destruí-la, na onda de Olavo de Carvalho. E o nosso futuro? Como ficarão as escolas superiores? E os milhões de estudantes pobres? E você vai fazer o quê?


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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