O acordo Igreja-Estado (parte I)
Por Padre Renato
A polêmica a respeito do Acordo assinado pela República Federativa do Brasil e pela Santa Sé tomou de assalto as diversas rodas de conversa, desde as mais abalizadas, como a dos juristas, até as mais informais, como a dos amigos, no horário do cafezinho, ou mesmo nas mesinhas de bar dos happy-hour.
Numas e noutras, percebe-se desde o apoio e a ação de graças, oriundos de mentes que compreendem o benefício que tal ato trará para todas as denominações religiosas, até a maledicência e o preconceito que são fruto da ignorância política e jurídica.
Explico-me.
A ignorância política provém do fato de que muitos desconhecem que a Igreja Católica Apostólica Romana é uma instituição bimilenar reconhecida internacionalmente e portadora do status de pessoa jurídica de direito público internacional. O Estado do Vaticano (Stato Città del Vaticano) não deve ser confundido com a Igreja e muito menos com a Santa Sé. O Vaticano é o Estado (território), a Igreja é o “corpo místico de Cristo” espalhado em todo o mundo e a Santa Sé é o poder do papa e dos diversos dicastérios romanos que se concretiza nos atos internos e externos a serviço da Igreja. Mestra em diplomacia, com relações diplomáticas na maioria dos países e com assento entre os Observadores Permanentes na Organização das Nações Unidas, no seu relacionamento com as nações soberanas, emerge da Santa Sé este poder que se equipara ao das demais nações soberanas, podendo, desta forma, e em vista de interesses comuns, firmar pactos, convenções e tratados.
Segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (de 1980), artigo 6º, “todo Estado tem capacidade para concluir tratados”. Desta forma, Santa Sé (poder creditado junto às nações) e República Federativa do Brasil, podem assinar acordos, tratado, pactos que visem a manutenção de interesses bilaterais ou a preservação de direitos comuns, como no caso do Acordo em tela, cujo objeto foi o reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja Católica no Brasil. Em síntese, o governo brasileiro reconhece que Igreja é instituição séria e merece ser tratada por ele como tal. Não com privilégios como alguns estão afirmando por aí.
A bem da verdade, o citado Acordo deveria ter sido concluído desde a Proclamação da República quando, felizmente, pelo decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890, o Marechal Deodoro da Fonseca efetivou a separação entre a Igreja e o Estado e consagrou a laicidade deste, livrando a Igreja do padroado. O problema começou, contudo, quando alguns fervorosos incautos confundiram “laicidade do Estado” com “animosidade religiosa por parte dos poderes constituídos”, praga maior que o padroado e que vigora até os dias atuais, concretizando-se com a real perseguição por parte de autoridades e funcionários públicos que dispensam tratamentos diversificados à Igreja Católica (e também a outras denominações), ferindo garantias e direitos fundamentais, variando de acordo com o seu ânimo ou convicções pessoais, não poucas vezes movidos pelo preconceito.
Aqui, abre-se o leque para a imensidão da ignorância jurídica, a que nossa “vã filosofia” sequer consegue molhar a “pontinha do pé”, imensos que são os oceanos existentes na cabeça dos que insistem em não querer entender.
Uma vez que o Brasil ainda não é signatário da já citada Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (desde 1992 que o texto tramita no Congresso Nacional para esperando ser ratificado), no ordenamento pátrio, a manifestação e o acordo de vontades no plano internacional estão previstos na Constituição Federal, no artigo 84, VIII, quando trata da competência privativa do Presidente da República, a saber, “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”, que foi exatamente o que aconteceu. (continua na próxima semana)
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