Não a qualquer forma de terror
Qual o limite entre a intolerância e a intransigência? Quais fronteiras separam a liberdade de manifestação de pensamento e opinião e a autonomia dos indivíduos em vivenciarem suas crenças, suas convicções filosóficas, suas expressões religiosas, suas posições políticas? Essas questões ganham dimensão quando mais um atentado terrorista traz como ingrediente maior de sua motivação o amálgama da fé e da política que, nos tempos presentes, tem no islamismo sua mais evidente expressão. Uma mistura que faz sua combustão nos tênues limites do fundamentalismo e do ódio que, milenarmente, segrega homens em torno de deuses e ídolos.
O impacto do ato de terror e a tragédia das vidas humanas abruptamente interrompidas assumem uma projeção específica a partir do lugar onde elas aconteceram. Foram jornalistas de uma nacionalidade que, nos últimos séculos, esteve tradicionalmente associada a praticas de colonialismo. Um país que, como tantos outros ocidentais, de formação cristã, de orientação política democrática, de cidadãos livres, ostenta em sua história guerras violenta contra povos indefesos apenas pela necessidade egoísta de expandir fronteiras, de conquistar territórios, de escravizar corpos e aprisionar mentes.
São franceses, ingleses, alemães, americanos, homens, brancos, que eliminam negros, orientais, pardos, mulatos, ateus, mulheres, islâmicos. São argelinos, árabes, iraquianos, mulçumanos, indianos, vietnamitas.
Os traços e desenhos dos cartunistas franceses, em nome da liberdade de expressão defendida como um valor universal pretensamente vivenciado na mesma medida por todos os indivíduos, ridicularizaram ícones considerados sagrados para alguns povos que, fora da rota dos vencedores, são classificados de bárbaros, de retrógrados, despidos de qualquer civilidade e dignidade.
Povos que podem e devem ser subjugados pelos grilhões daqueles que foram ungidos com o cetro e a coroa. Povos que devem aceitar, de forma pacata e resignada, toda forma de escravidão. Povos que carecem silenciar o estupro carnal e simbólico de suas mulheres e de suas ideias, crenças, modos de vida.
Povos que devem aceitar a opressão como determinação divina, a ela se submetendo como derradeira alternativa para preservar a dignidade. E quando esses povos utilizam a religião como canal de insubordinação para eles é reservada uma carga de adjetivos pejorativos e marginais. Adjetivos que se personificam em terroristas, em animais raivosos e sem sentimento de humanidade.
Adjetivos que não são capazes de desvelar o intricado universo das tramas e teias políticas que alimentam os fundamentalismos e as intolerâncias que marcam nossas vidas cotidianas, entre deuses, ídolos e altares.
E ficam os versos do poeta como inspiração para não perdermos nossa capacidade de indignação com qualquer forma de terror:
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
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