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Francisco Cartaxo

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Na Praia de Iracema

16/01/2017 às 12h54

Havia um ar de festa na Rua dos Tabajaras, visível no fluxo de pessoas rumo a umacasa de shows,a fila crescendo na calçada. OEstoril,fechado, contrastava com a animação na rua.Fiz questão de revisitar aquele recanto boêmio que frequentei nos anos setenta e oitenta, quando morava em Fortaleza. Pura nostalgia. Eu sabia que do ambientede outrora restava o casarão reformado e reconstruído.

Ainda assim arrisquei.

Entrei a procura de sinais antigosno quintal do sobrado verde da Praia de Iracema da minha época.  Me deparei com um solícito guarda municipal: faz tempo que está fechado? Não, fecharam o mês passado, no dia 19 de dezembro… quer dizer, a Justiça já tinha mandado fechar, mas eles nem ligavam, abriam e pronto. Desde quando você trabalha aqui, quis espichar a conversa. Mais de ano. E por quefecharam? Problema de administração, falou o guardaassim mesmo, com a autoridade de quem veste farda, muito embora não portasse arma.Só cuido do patrimônio, completou.

Sob o olhar desconfiado do guarda, corri a vista nas pequenas barracas de bebida, churrasquinho, pipoca, cigarro,distribuídasno espaço entre o muroe o quebra-mar. Conferi com o olhar duas dezenas de jovens, a indumentária colorida, os enfeites, o jeito próprio da juventude.

Rolava droga?

Doutor, droga tem em qualquer lugar, né?

Então era isso.

Na primitiva Praia do Peixe, foi construída a Vila Morena, no começo dos anos de 1920, pelo comerciante pernambucano José Magalhães Porto. Depois que o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, os soldados americanos, destacados para servir no Ceará, alugaram o palacete e o transformaram em clube para festas dançantes,tertúlias animadas com atrações vindas dos Estados Unidos. Dizem que só eram convidadas garotas de boas famílias. Nessa época, moça direita só saía de casa acompanhada e guardava a virgindade para o ritual da lua-de-mel. A invasão americana mexeu com esses costumes. Então os rapazes cearenses, inferiorizados na concorrência amorosa, apelidaramas moças de coca-colas.Por quê?Porque eram consumidas e jogadas forapelos gringos! Assim registrao livro Fortaleza: uma breve história, de Artur Bruno e Airton de Farias.

A Guerra acabou.

Restaram longos suspiros de amor, paixão e sexo. E daí para frente ficoumarcada a tradicional família cearense.  Mais tarde, a Praia de Iracema–denominação dada em explícita homenagem à personagem central doconhecido romance de José de Alencar -, virou área de lazer com restaurantes, clubes, bares, hotéis. Foi aí que o Restaurante Estoriladquiriu status de reduto boêmio de intelectuais, emboramudando de feição a cada fase. Era, justamente, esse antigo refúgio daboemia nos anos difíceis da ditaduraque agora eu tentava revisitar.

Visita frustrada.

Mais de 30 anos depois, o velho sobrado de cor verde escuro,retido na minha memória,ruíra. Literalmente desabara com a chuva e o vento. Desde então, fora reformado,reconstruído, alterado; mudara de mãos e de funções várias vezes. Desapropriado pelo governo, fez-se espaço cultural público. Até virar,há poucos anos,um controverso Bar do Papai!Mas o arrendatário foi despejado por ordem judicial. Por isso, a prefeitura de Fortaleza decidiu instalar ali a Secretaria de Cultura e Turismo, o que deve ocorrer este ano.

Esqueço tudo isso.

Do Estoril, só desejo guardarna memória a cor verde, os versos de poetas apaixonados, recitados em voz pastosa.Ah, as confissões de amor e dor! Ditas e ouvidas em noites de luar.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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