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Francisco Cartaxo

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Morrer de amor

25/01/2021 às 08h35

Coluna de Francisco Cartaxo

Por Francisco Cartaxo

Morrer de amor ou morrer por amor, dizem, é coisa de poeta. A verdade é que ninguém, em sã consciência, escolhe o tipo de sua morte. Esta é a regra. Pode haver exceções, mas são pouquíssimas. Há quem se curve à realidade, adaptando-se aos desígnios de Deus, no conformismo ante a última e inevitável viagem terrena. Mas isto é outro babado. No íntimo, todos nós procuramos fugir da morte e de impressionantes visões de sua presença.

Com milhares de mortes pandêmicas, diariamente, impossível não ruminar. Quando eu tinha cinco anos de idade, certo dia, fui acordado por estranha movimentação na casa de meus pais. Os adultos não falavam, sussurravam. Andavam com passos leves como se o atrito dos chinelos incomodasse a quietude da alma. Ouvido atento aos murmúrios em redor, deduzi que falecera o prefeito de Cajazeiras, coronel Juvêncio Carneiro. Naquela época, a organização administrativa municipal era muito singela: além do prefeito havia apenas duas autoridades, o tesoureiro e o secretário. Meu pai era o secretário da prefeitura. Por isso, foi um dos primeiros a saber da causa do falecimento do velho político sertanejo. Morreu de quê? Esse mistério eu só fui desvendar quando já era homem feito.

Juvêncio Vieira Carneiro (1880-1944) veio do município de Catolé do Rocha para Cajazeiras. Aqui se fez comerciante e político no começo do século XX. Foi vereador e prefeito municipal. Neste caso, nomeado pelo interventor Rui Carneiro, seu sobrinho. Aliado do coronel Sabino Rolim (1865-1944), poderoso chefe político até 1930, Juvêncio Carneiro foi, durante muitos anos, uma espécie de seu assessor informal, suprindo deficiências do coronel Sabino, um notório homem de poucos letras. Na qualidade de prefeito no Estado Novo, coronel Juvêncio Carneiro teve apoio e tranquilidade para exercer seu mandato, pavimentar ruas, embelezar praças, apoiar o comércio e o homem do campo.

Livros de história e escritos memorialistas não fazem referência à causa real da morte do coronel Juvêncio Carneiro. A nuvem de mistério que vivenciei na infância, naquela manhã de 2 de junho de 1944, como que se reproduz no silêncio de historiadores e cronistas do passado.

Em meio à pandemia, imagino que o velho Juvêncio Carneiro morreu de amor. Daí os sussurros de meus pais naquela distante manhã da minha infância. Sabe por quê? O coronel Juvêncio Carneiro morreu na cama, após sussurrar juras de amor eterno.

Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
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