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Anahuac Gil

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Monitoramento de rebanho

25/09/2023 às 08h51

A tecnologia está sempre à disposição para ajudar o desenvolvimento humano. Amoral, aético, sem religião ou qualquer apego emocional. Como um martelo que bate sem pena, sem nenhum remorso ou comoção, afinal esse é o propósito de sua existência. As vezes bate na cabeça do prego, as vezes na cabeça das pessoas, mas sempre com a mesma frieza.

Monitoramento ostensivo de rebanho sempre foi uma exigência dos países desenvolvidos para importar carnes dos países pobres. Seja escondendo sua colonização por trás de uma legislação ecologicamente correta, que permite destruir toda a sua flora, mas exigem que os países pobres a cuide, seja para garantir que não lhe enviem carne provinda de trabalho escravo, seja para garantir a saúde do rebanho. O fato é que vigilância e monitoramento fazem parte da vida moderna e não se faz isso de forma eficiente sem ter olhos e ouvidos no espaço.

O envio de satélites ao espaço é uma fonte extrema de poder. Basta lembrar do pânico causado ao ocidente quando o Sputnik dominou os céus. Havia uma força imbatível sobrevoando os céus capitalistas, vendo e ouvindo tudo. Não era bem assim, mas a paranoia Yankee se encarregou de espalhar o boato.

De 1957 pra cá o cenário é outro: todos os países desenvolvidos e alguns metidos a besta, têm seus satélites obedecendo as regras de submissão ao mercado vigente. Isso porque se pode fabricar um satélite, mas o envio é controlado pelos países que dominam a tecnologia aeroespacial. O Brasil, por exemplo, não pode colocar em órbita um satélite militar.

Apesar das limitações, é permitido o envio de satélites civis ou o aluguel de satélites obsoletos do Império. Assim se faz um monitoramento ostensivo da Amazônia, do clima e também de rebanhos. Tudo devidamente gerenciado pelos governos de cada um dos países envolvidos, certo? errado.

O último ônibus espacial da NASA voou em 1995. Depois disso houve uma guinada na forma da exploração espacial. O governo norte americano desestimula os investimentos públicos e abre espaço para a iniciativa privada. Como esperado apenas empresas muito ricas puderam fazer os investimentos necessários para atender os requisitos da NASA. Virgin Galactics, SpaceX e Blue Origin, dos mega bilionários Richard Branson, Elon Musk e Jeff Bezos, respectivamente, foram os que primeiro desenvolveram novas plataformas e naves espaciais reutilizáveis para se colocarem à disposição do governo americano, e também ao mercado em geral.

Quase sempre apontados como símbolos de eficiência, empresas são organizações civis com baixíssima regulamentação e controle com uma hierarquia rígida, sistemas de cooptação, punição e recompensa. Diferente de governos modernos com sistemas de pesos e contra-medidas, empresas são micro-ditaduras, onde os donos e diretores mandam e todos os empregados agem: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Todo mundo que tem patrão sabe exatamente como é. Não cabe ao empregado fazer questionamentos morais, éticos ou humanitários. A mais mínima resistência, coloca seu emprego e, portanto, sua sobrevivência em risco. É assim que funciona o sistema de exploração do trabalho do livre mercado capitalista.

Em micro universos essas “ditaduras empresariais” não têm maiores consequências, afinal de contas qual é o impacto social quando uma indústria explora o trabalho de seus funcionários sem pagar horas extras, sonegando impostos, poluindo o meio ambiente? Nada demais, pois essa indústria não tem força para se sobrepor ao controle do Estado. Cabe ao governo criar meios de controle para coibir esses crimes através de fiscalizações e agências de regulação. E daí se entende porque o capitalismo detesta um Estado forte e atuante, porque isso atrapalha os negócios.

A burocracia estatal tem o objetivo de criar prazos para que todas as partes envolvidas tenham tempo e voz para criticar o que será feito em questões estratégicas garantindo o bem de todos. Empresas não têm esses sistemas de controle, agindo movidas pelo lucro ou ganho de poder de forma muito mais eficiente e, claro, despudorada, para seu próprio benefício em detrimento do coletivo.

Algumas áreas críticas deveriam estar fora do alcance da iniciativa privada, exatamente pela falta de controle, pesos e contra-medidas. Entre essas áreas a exploração do espaço. Vou provar o risco: atualmente a SpaceX tem mais de 4500 satélites em órbita. Em sua maioria para atender a StarLink a empresa de conexão à Internet do mesmo dono, Elon Musk. Essa é a maior frota de satélites do mundo, ou seja, maior do que a de qualquer País. Um poder imenso de ingerência na mão de um civil, sem nenhum controle ou supervisão.

O poder é tamanho que a StarLink é a forma pela qual o exército ucraniano se conecta à Internet e faz todo o mapeamento e comunicação de suas tropas. Não importa de que lado você está, seja USA/Ucrânia ou Rússia, o fato é que quando Elon Musk quer, ele pode e atua de forma ativa para interferir em um conflito armado entre as duas maiores potência militares do planeta. Ele o fez em duas ocasiões: numa ele desligou os satélites e deixou o exército ucraniano no escuro para poder cobrar mais do governo americano. É assim que se faz para poder aumentar o preço e ficar mais rico. Em uma segunda atuação ele desativou o GPS dos drones ucranianos que iam atingir a ponte que liga a Crimeia à Rússia. Segundo ele por razões humanitárias.

Seja de uma forma ou outra, temos um civil atuando de forma completamente autônoma, independente, de acordo com seus critérios morais e religiosos, tomando decisões de vida ou morte sem nenhum controle ou supervisão de nenhum agente público. Se você não consegue se assustar com isso, deveria.

A falta de controle dos agentes públicos pode levar ao absoluto retrocesso social. A migração de refugiados do capitalismo da periferia mundial para os centros de poder tem crescido exponencialmente nas últimas décadas. À medida que a concentração de renda aumenta na Europa e Estados Unidos, o fluxo de miseráveis em direção a esses países aumenta. Nesta semana a ilha de Lampeduza recebeu uma horda de quase 7000 imigrantes de uma vez. No continente Americano, um fluxo constante de centenas de milhares de imigrantes, mortos de fome, marcham em direção aos Estados Unidos.

E qual foi a ideia ventilada pelo congresso inglês? Monitoramento de rebanho: marcar cada imigrante ilegal e usar o monitoramento via satélite para saber exatamente onde eles estão. Consegue imaginar qual seria a empresa utilizada para realizar o trabalho?

Graças aos pesos e contra-medidas da burocracia inglesa a proposta foi barrada.

Na cabeça dos liberais, na forma capitalista, não há diferença entre monitorar rebanhos, carros, aviões, cargas ou humanos indesejáveis. Todos são apenas problemas que devem ser resolvidos. Sem pesos e contra-medidas o setor privado é mais ágil e eficiente no uso da tecnologia para o desenvolvimento humano, sem critérios sociais, ecológicos, morais ou humanitários.

O avanço da iniciativa privada, a diminuição do poder do Estado e a precarização dos direitos sociais nos levará para o “Infinito e além” ou de volta à Idade Média?


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Anahuac Gil

Anahuac Gil

Nerd, Professor de Tecnologia da Informação, escritor, consultor independente para tecnologias livres mantenedor do primeiro servidor Diáspora no Brasil – DiasporaBR.

Especialista em instalação e suporte de servidores de E-mail Zimbra/Carbonio e Clusters de alto desempenho para sites de notícias.

Contato: [email protected]

Anahuac Gil

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Nerd, Professor de Tecnologia da Informação, escritor, consultor independente para tecnologias livres mantenedor do primeiro servidor Diáspora no Brasil – DiasporaBR.

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