Mistério em aquarela
Por Cristina Moura
A Arteterapia, ciência que vem ganhando cada vez mais adeptos e admiradores, expande o que consideramos também como exercício meditativo. Compreender que o silêncio e a baixa velocidade são elementos indispensáveis para um resultado satisfatório é outro obstáculo a ser vencido. Um exemplo claro dessa terapia, em tom de meditação, é a arte com aquarela, sobretudo em papel.
Com esse novo trabalho artístico, minha mente controla um caminhão de impulsos. Que remédio gostoso. Digo novo porque não havia me interessado intensamente pela leveza da aquarela, tempos atrás. O ambiente agora é novo, novíssimo. Eu havia mergulhado nas colagens e nas atividades em telas com tinta acrílica. Continuo mergulhando. E me surpreendo com o que encontro nesse rio de múltiplos sentidos. No suporte da tela, sim, há como fazer desenhos aguados de maneira simples, sem medo. Não há problema se cair um pingo de água a mais. Pode-se corrigir ou utilizar o suposto equívoco na própria criação que ali começa.
No papel, a conversa é outra, mesmo que seja num plano mais pesado, que aguente sua superfície molhada, por alguns minutos. Com o lápis aquarelável, a tensão diminui de forma compassada. Que delícia de invenção é esse tipo de lápis. Tem um bastão com a cor mais cremosa, com uma cera especial. Em contato com o líquido, o desenho toma outra proporção, cria outra linguagem. Muitas vezes, parece uma cena onírica. Ótimo. Gosto de me embrenhar nesse mundo dos sonhos. Não é difícil imaginar narrativas e narrativas com as aquarelas prontas.
Apanhei inúmeras vezes com esse bendito lápis, achando que a aventura seria fácil. Nem pensar. Uma ideia de jardim florido, numa manhã ensolarada, foi para a lata de lixo, sem pena. Tantas flores de espécies variadas, grama verdinha, insetos, céu azul: tudo se foi. A intenção se afogou com as camadas de celulose. As cores, confusas no bolo, pediam clemência. Foi feio. Não tive capacidade de conter o pincel encharcado, de admitir a delicadeza da situação. Não entendi que a batida era bem diferente do pontilhismo das telas ou da minha própria letra cursiva, ambos exigentes de certa força no punho direito.
O episódio foi o resumo da minha falta de respeito ao princípio da técnica. Isso. Quando percebi essa lógica, o cenário foi mudando. Como diz o professor Luiz Barco, apresentador da série Arte e Matemática, exibida na TVE e com trechos disponíveis em algumas redes sociais, a técnica é sagrada, e sua base ganhou tijolos de profunda abstração.
Barco diz que essa prática do pensamento é similar nas duas áreas abordadas; terrenos que, à primeira vista, são tão díspares. Mas a técnica é a grande aliada de todos os movimentos; cada obra requer esse olhar concentrado. Nas vias abstratas, nosso tema vai se construindo, até encontrar um pouso para sua forma concreta. Para começar uma pintura, pensei em algo, por um segundo. Por outro lado, ao desenhar um triângulo retângulo, utilizei as técnicas difundidas pelo grego Pitágoras, a partir de um modelo exato. O primeiro passo é pensar. Uma faísca, uma linha. Em seguida, e sem tempo determinado, a realização. Somente bem devagar, consegui ver o mistério nessa nova fase aquarelada. Foi por isso que o jardim reapareceu.
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