Meu irmão Higino
Higino Rolim Neto morreu na sexta-feira, dia 7, aos 89 anos. Nasceu em Cajazeiras em 26 de setembro de 1929. Adolescente foi para Pernambuco, atraído pelos padres salesianos. Teria firme vocação sacerdotal? Ou apenas tentou amoldar-se à influência do ambiente familiar? Nunca soube ao certo. Meu irmão Higino não era de expandir-se em conversas dessa natureza. Passou 10 anos no estudo e dando aulas. Deixou a congregação salesiana às vésperas de cursar teologia. Da infância em Cajazeiras ele conservou muitas lembranças, que gostava de debulhar. Falava de amores platônicos, guardados na alma, só revelados muitos anos depois, em suspiros de contos de fadas. Os dez anos de vida religiosa o afastaram do mundo imundo cá de fora. E o encheram de dúvidas. A imundice estaria mesmo cá fora?
Como enfrentar esse mundo?
Uma porta amiga se abriu no colégio diocesano de Nazaré da Mata, quando o bispo era dom Carlos Coelho, seu conterrâneo e parente. Ali Higino passou a fazer a única coisa que imaginava saber: dar aulas. Preparado, erudito, versado em ciências exatas e línguas estrangeiras, facilmente transmitia conhecimentos à juventude da zona canavieira. Desajeitado em terno de linho, (naquele tempo, clérigo vestia batina), viu-se diante de muitas jovens da elite local. Pisava em ovos. O olhar furtivo a pousar aqui e ali, encarou olhos femininos que enxergavam muito além da timidez, envolta no jeito desengonçado de ex-seminarista.
– Eu me achava um jegue.
Isso me ele disse em raro momento de confidência. Certo dia, num instante de coragem, firmou-se no brilho dos olhos de exuberante menina de 15 anos. Teve medo. Recolheu o segredo, como quem esconde um crime. Coitado do meu irmão Higino, levou tempo para espantar da mente a sensação de pecar, mesmo quando a natureza lhe impulsionava para o amor. Aquele brilho ofuscante não podia desaguar sequer num abraço, ainda que fosse um contato fugidio. Mesmo assim, aquele olhar fincou raiz em sua alma. Mas disso, eu só tomei conhecimento muitos anos depois, quando, viúvo de Zilda Rebouças, Higino já se tornara avô pela projeção dos filhos Mônica, João Cristiano e Gardênia.
O colégio de Nazaré da Mata foi um estágio para o meu irmão Higino enfrentar a luta pela sobrevivência decente, a começar com o emprego, no Recife, em multinacional famosa. Ali sua vida mudou. Conheceu o mundo da boemia noturna, o bairro do Recife Antigo transformado em festa, com profusão de sons, bares, cabarés e putas para os prazeres da carne.
Depois veio Fortaleza.
Após rápida passagem pelo BNB, ingressou no Banco do Brasil e cumpriu andanças pelas agências de Itapipoca, Caruaru, Natal, Fortaleza. Com formação filosófica, professor de matemática e línguas, erudito, nem sempre lhe era agradável a rotina burocrática de banco. Essa contradição, vivida no trabalho durante seus anos de bancário, serviu de modelo para suas narrativas ficcionais, dando margem à criação do personagem Zé Pesado, seu apelo literário preferido. Higino Rolim Neto publicou textos em jornais, revistas e antologias, além destes títulos: Zé Pesado e outros contos; Neidinha: contos e recordações; Traquinocrônicas: o antistressante (crônicas de gozação); Meus oitenta anos.
Do casamento com Zilda Rebouças nasceram Mônica, João Cristiano e Gardênia. E mais cinco netos e três bisnetas. Deixou viúva Dalva Rebouças, prima de sua primeira esposa, com quem não teve filhos. Merece o descanso anunciado que lhe chegou agora.
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