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José Anchieta

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Leite com lágrima

29/04/2010 às 23h23

Por Padre Renato

Quatro e meia da manhã. O sol ainda dorme, mas ele já acordou. Calçou suas botas e botou a calça. Vestiu o chapéu de abas largas e colocou a camisa de pano grosso. Algumas estrelas no céu ainda cintilam e os olhos de um vaqueiro marejam, pois ainda há algo de sono. Uma sacolejada na cabeça e logo a porta da casa se abre, levando embora a vontade de se encolher no fundo da rede. Não a porta da frente, a do oitão, aquela que dá para a pia que fica fora de casa.

O rosto de pele desidratada e de barba por fazer é regado por um pouco de água a ele levado pela concha da mão, calejada do dia-a-dia. Não há muito tempo a perder, deleitando-se com a suavidade da água gelada que escorre pelo rosto. O gado, no curral, espera pela ordenha e alguns bezerros começam a mugir. Paramentado para a lida, asseado e munido do “baldeirão”, nosso bom vaqueiro e reinicia o seu eterno cotidiano.

A porteira do curral é aberta e, como se já soubesse, a primeira vaca apresenta-se para a ordenha: é a preta, a de chifres longos e pontiagudos. Parece valente, mas é bem mansa. Suas narinas, quando ofega, lhe dão um ar de superioridade sobre as demais. Ela é mais comprida do que as outras, tanto que seu apelido é “Trenzinho”, outros a chamam de “Sabiá”.

Mestiça de holandesa com gir, a cria é igual à mãe. O bezerro macho que está arreado à sua mão já tem seis meses e baba uma saliva grossa e esbranquiçada misturada ao pouquinho de leite, pequena dádiva de José àquele toureco, a fim de que Sabiá soltasse o leite. A cada aperto do peito da vaca, um leite quente e nutritivo, num jato formador de uma espuma volumosa dentro do balde de uma só “zêia”. A vaca está melindrosa, perto de apartar, de ficar escoteira.

O vaqueiro conhece as artimanhas de Sabiá e cuida de não assustá-la. Caso contrário, poderá esconder o leite e o balde não ficará cheio. Sentindo as próprias tripas roncando, o vaqueiro sabe que o garrote não ficará com fome. A “sábia Sabiá” reserva em seu úbere quantidade suficiente para alimentar o seu filhote.

Logo será fecundada e dará ao patrão do vaqueiro mais um bezerro. E José nada ganhará, só mais calos nas mãos. Nada de carteira assinada, férias, 13º salário, FGTS, seguridade social. José não comemorará o dia do trabalho, embora seja um grande trabalhador.

Terminada a ordenha, o bezerro é solto e, meio que desesperado, suga com sofreguidão o peito da vaca, dando cabeçadas forte que fazem a mãe levantar a perna. José olha para a vaqueirama, ouve os bezerros mugirem no seu apartado e lembra dos seus filhos também com fome. Uma lágrima escorre do olho.

Foi somente a primeira vaca, ainda há mais quarenta. O dia apenas começa e José, o bom vaqueiro que tem um nome, mas não tem vacas, nem se dá conta do que aqui contei. Ele tira o leite, nós, que o assistimos, tiramos conclusões.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

José Anchieta

José Anchieta

Redator do Jornal Gazeta do Alto Piranhas, Radialista, Professor formado em Letras pela UFPB.

Contato: [email protected]

José Anchieta

José Anchieta

Redator do Jornal Gazeta do Alto Piranhas, Radialista, Professor formado em Letras pela UFPB.

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