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Francisco Cartaxo

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Ivan Bichara e a lagoa de estabilização

16/04/2018 às 10h19

Ivan Bichara

Ivan Bichara era um homem reservado. Calmo, de fala mansa e refinada educação. Só raramente levantava a voz. Certa vez, num despacho de rotina, pressenti um clima pesado ao ouvir altercação telefônica com um interlocutor que eu pouco conhecia. Quis me retirar do gabinete. Ele me reteve: fique para você aprender.

Então eu vi. Vi entrar um político, empresário poderoso na época em que, sem nunca ter usado farda, ele batia continência até para tenente do Exército. Deduzi que aquele senhor estava articulando uma traição política. Ivan foi firme e direto: conheço sua vida mais do que os militares, disse, e você sabe disso. Sabia mesmo. Por isso, quase se ajoelha a desmentir o disse-me-disse que chegara aos ouvidos do governador.

Mal nos conhecíamos. Ivan, primo de meu pai, afilhado e compadre, entrava à vontade na casa onde nasci. Ele com idade de irmão mais velho, bem mais velho, eu, menino de calça curta, ficava peruando as conversas, admirado de ter como parente aquele deputado, alto, elegante, de voz pausada e nome incomum: Bichara. Levei tempo para entender a origem do parentesco. O professor Francisco Sobreira, que casara com uma sobrinha do padre Rolim, era avô de Ivan. E meu bisavô.

Era quase um estranho.

Tanto assim que partiu de um primo comum, Higino Pires Ferreira, a lembrança da minha existência ao governador ainda não empossado. Ivan, por que você não leva o menino de Cristiano pro seu governo? E quem é ele, Gineto? É o mais novo, Frassales, foi técnico da Sudene e hoje está no Banco do Nordeste. Falavam ao telefone. Ivan então marcou uma conversa, em julho de 1974, quando viria a Cajazeiras. Daí em diante, falamos diversas vezes. A articulação com o presidente do BNB, ficou a cargo de Dorgival Terceiro Neto, escalado para ser o vice de Ivan, conforme as regras eleitorais daquele tempo. Fizeram-me coordenador da equipe de elaboração do plano de governo.

Amiudamos os contatos, mas Ivan continuava a ser aquela figura reservada, salvo em um ou outro momento de descontração, quando, por exemplo, eu levava minha esposa e nossos filhos pequenos à Granja Santana. O que não era frequente. Recordo agora um episódio risível ocorrido num palanque em Cajazeiras. Uma das realizações importantes de seu governo em nossa terra foi o saneamento básico. Obra cara dada a topografia urbana, a cidade construída sobre pedra, exigindo esforço, tempo, dinamite, desgaste, aborrecimento. E muita paciência. Quem é daquela época deve lembrar o transtorno que era andar nas ruas de Cajazeiras, reviradas pelas máquinas de escavar as valas por onde passaria o esgoto sanitário.

Obras que não se inauguram…

Mas decidiram realizar uma festa na lagoa de estabilização, local onde se processa por método simples o tratamento dos efluentes. Lá fomos nós para as imediações do que hoje é o bairro da Vila Nova. Em cima do caminhão-palanque, com todos os salamaleques de praxe, as pessoas em clima de euforia, charanga e foguetório, locutor animado e animando. Nesse ambiente festivo, o governador Ivan Bichara me puxa pelo braço, afasta-se um pouco das outras pessoas e com ironia estampado nos olhos e na face diz:

– Cartaxo, nunca pensei inaugurar uma lagoa de merda em Cajazeiras!

Rimos os dois. Rimos apenas. Não gargalhamos. Ivan era reservado, calmo, de fina educação, com aguçado senso do ridículo. Aquela observação gaiata lhe veio para espanar o constrangimento de estar ali, diante da inusitada lagoa.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

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