Inocentes palavras
O peso das palavras. Essa expressão comecei a escutar na mais tenra infância quando meus pais nos repreendiam e advertiam dos estragos e das danosas conseqüências que uma palavra mal colocada pode ocasionar na vida e na imagem de uma pessoa. As palavras deviam ser utilizadas com parcimônia e comedimento, preceituavam os conselhos paternos. Dessa maneira estaríamos preservando nossos sentimentos, cultivando amizades e assegurando a integridade e a humanidade das pessoas com as quais convivemos e nos relacionamos.
Mais tarde, no meu percurso acadêmico, entrei em contatos com alguns teóricos, como Michel Foucault e Pierre Bourdieu, que defendem a intencionalidade das palavras e das coisas. Ou seja, afirmam que as palavras não são inocentes. Ou seja, usamos as palavras a partir dos sentidos e das intencionalidades que, política e culturalmente, movem nossas ações, nossos interesses e nossas emoções. Portanto, o que falamos não são meras articulações de letras e sons que ganham formas de palavras e coisas inertes e perenes.
Nomeamos objetos, pessoas, atitudes a partir de uma perspectiva e por uma janela constituída a partir de nossas vivências, da forma como vemos e concebemos nossas ideias e produzimos e construímos elaborações e afirmações que nomeiam e classificam. Dessa maneira, vamos esquadrinhando o mundo em molduras e enquadrando a vida em hierarquias e departamentos que diversificam, mas, ao mesmo tempo, segregam e isolam pessoas e coisas em territórios estabelecidos por parâmetros que qualificam uns no contraponto da desqualificação de outros.
Em nosso cotidiano é possível observar a recorrência com que usamos as palavras como manifestação de nossas atitudes, trazendo incrustadas em sua composição toda a carga política de arrogância e presunção reveladora de nossas posições de sujeitos. Palavras como golpe, ditadura ou revolução, por exemplo, não são inocentes manifestações linguísticas para nomear uma época ou um evento. A utilização de uma ou de outra expressão revela em que posição nos situamos enquanto sujeitos políticos e quais ferramentas utilizamos para interpretar e ressignificar o mundo, as pessoas e a nós mesmos.
Nos dias atuais, quando as inúmeras tecnologias da comunicação e da informação transformam a virtualidade em palco concreto das ações e das práticas humanas, cada vez mais as palavras perdem sua inocência e escancaram as intenções e as matizes políticas e ideológicas de quem as emprega. Preconceitos, atitudes eurocêntricas e racistas, presunções classistas e fundamentalismos de todas as tonalidades e de todas as colorações são escancarados, naturalizando diferenças e mascarando atitudes que, a exemplo do nosso conselho paterno, desconstrói humanidade e legitima diferenças onde deveria existir apenas um sentido para a palavra gente.
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