Imagens de José Rafael Cartaxo
Rafael exibia com orgulho sua espada de oficial da reserva do Exército, um troféu conquistado em plena Segunda Guerra Mundial. Não foi obrigado a servir. Muito ao contrário, ele se apresentou como voluntário, imbuído do sentimento patriótico prevalecente nos anos da guerra de forte cunho ideológico, democracia versus totalitarismo. Vem daí a primeira imagem guardada do meu irmão mais velho, eu em idade de ser seu filho. Imagem formada ao escutar as narrativas de meu pai, orgulhoso do filho, pronto para defender a democracia, então ameaçada pela sanha beligerante de Hitler. Não chegou a viajar para a Europa. A guerra findou antes.
José Rafael Cartaxo nasceu em 17 de julho de 1923. Comemoraria 91 anos, portanto, se o coração não tivesse parado de bater, segunda-feira, dia 30 de junho. Bom que não tenha ido à guerra. Aqui se fez mais útil a seus pais. E aos irmãos, dependentes, àquela época, das limitadas condições materiais de Cristiano Cartaxo, cercado de problemas financeiros, embora detivesse razoável patrimônio herdado do major Higino Rolim. Aqui está a segunda imagem de meu irmão Rafael, a de um segundo pai, a socorrer a família, num adjutório ao pai impossibilitado de educar os outros 10 filhos. Logo ele, professor de quatro gerações! Forçado a interromper os estudos, Rafael optou por ingressar no Banco do Brasil, então um emprego muito cobiçado. E mais, preferiu trabalhar no interior, a fim de “fazer render mais o salário”. Para quê? Para ajudar os irmãos.
À segunda imagem se juntam muitas outras.
A do bancário de carreira, gerente, inspetor, sempre a cumprir com rigor suas tarefas, mesmo causando indisposições com amigos, velhos amigos, que se fizeram políticos, como foi o caso do Parsifal Barroso, deputado federal, ministro, governador do Ceará. Importava mais a Rafael servir ao Banco do que obter facilidades momentâneas advindas de ligações partidárias. Pagou caro por esse jeito de administrar. Usado como instrumento de políticos inescrupulosos, o golpe de 1964 o atormentou, em terras estranhas. A Justiça tardou, mas veio, muito mais tarde. Felizmente.
Ao longo da vida, Rafael projetou imagens variadas.
Como pai tinha dificuldades de dialogar com os filhos, talvez, uma parcela da herança de Cristiano Cartaxo. Rafael melhorou com os rebentos do segundo casamento. Foram nove os seus filhos. Sete do primeiro matrimônio com a maranhense Dayse Santos: José Raimundo, engenheiro; José Higino, médico; Maria Auxiliadora, médica; José Sebastião, engenheiro, José Ribamar, engenheiro; José Cristiano, contador e professor universitário; e José Luiz, dentista, professor universitário, falecido em trágico acidente de carro. Dois filhos com Zilda Rolim: Cili, fisioterapeuta e estudante de psicologia; e Ciro, engenheiro químico, recém-formado. Viúvo duas vezes, Rafael teve enormes percalços ao administrar esse estado civil, atenuados pela dedicação dos filhos, sobretudo, os caçulas Cili e Ciro, com quem morava em Cajazeiras. Estes me disseram que o pai se preparou para a morte, ao pressentir o coração cansado, indiferente às agruras e felicidades na última ladeira da viagem final.
Essas imagens começaram a esvoaçar em redor de minha cabeça, terça-feira, ao ouvir palavras emocionadas do seu filho Higino, diante do corpo inerte de Rafael, a relembrar “qualidades, falhas e defeitos” do pai, momentos antes de guardarmos o corpo junto de nossos ancestrais, no Cemitério Coração de Maria, em Cajazeiras. Que tenha agora a paz nem sempre presente em vida na terra.
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