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Francisco Cartaxo

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Ilusões do velho pescador

14/02/2021 às 09h20

Por Francisco Cartaxo

Pescar era a vida. Sua vida. Todos o queriam na pescaria. Tratava anzóis, iscas, enfieiras com carinho de mãe. Não enjeitava distancia de um açude médio, grande ou pequeno. Alegria, alegria, a garrafa de aguardente não podia faltar. Nunca. Nem os ingredientes para o pirão de peixe feito na hora, na beira do açude, embaixo de um juazeiro, uma mangueira ou de um pé de trapiá. E o peixe? O que viesse d’água ia parar na panela, desajeitada na trempe armada com pedras ou tijolos arranjados ali mesmo.

Só um velho barbado lhe batia na arte de cozinhar traíra, curimatã ou um piau verdadeiro, tratados na hora, temperados com sal e cheiro-verde, a farinha derramada no caldo quente. Havia quem quisesse um pirão ralo, outros o preferiam mais grosso. Mas sem polêmica, todos comiam do mesmo jeito, na zoeira cheirando a álcool.

– O que importa é o efeito, velho, o resto é perfunctório!

Ditava o médico, do alto de sua larga experiência na arte de beber e comer peixe fresco, à margem da água mansa dos açudes do sertão. Todos pescavam bem. Cada um com suas manias pelo tipo de isca. Minhoca, pedaços de carne, peixe miúdo… e até caçote! Uns se distanciavam para exercitar melhor as habilidades no manejo da linha, sentir nas fisgadas a espécie de peixe. De toda aquela turma, era ele o mais compenetrado pescador. Concentrava-se até mesmo no jeito de alojar o peixe na enfieira amarrada na cintura, para expor ao vento como troféu.

Mas isso faz muito tempo.

A ausência da mulher, levada por Deus, o incomodava. Onde diabo foi? Foi pra missa, pai. A mente mais bamba do que o corpo, os filhos o exilaram na capital. A alma era uma saudade só! A velha… cadê que não chega? Tá na casa de dona Belinha! Trancado naquele prédio, o jeito era voltar-se para si mesmo. Essa chuva tá caindo na propriedade, mastigava, de chapéu e anzol, a minhoca eu cavo lá, pensava.
– Que é isso, papai, vai pescar onde?

– Oxente, ali no açude, com essa chuvinha, espia, tá assim de peixe…

A filha teve um estalo. Comprou uma dúzia de peixinhos de plásticos, um anzol de brinquedo, inventou iscas e, daí em diante, viu o pai feliz da vida a pescar seus imaginários peixes na piscina do Edifício Morada da Saudade.

Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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