Histórico do morticínio eleitoral em Cajazeiras
Imagine, leitora amiga, um beijo após insinuante troca de olhares entre namorados no meio da rua. Quanta emoção! Pense, leitor, na esposa que chega, sem mais nem menos, espargindo um inusitado frescor, lhe envolve em seus braços de abraço pegajoso a querer enroscar-se para sempre na felicidade do amor eterno! Recorde, o leitor e a leitora, a exuberância de uma noite de molho, pimenta e criatividade de amantes, que transformam a cumplicidade num momento de paixão, jamais vivido por dois seres afeitos à reciprocidade de carícias e juras murmuradas ao ouvido!
Assim vivi a leitura desse livro.
Emoções fortes me dominaram ao longo de três dias-noites, olho na tela do laptop, mergulhado nas 290 páginas do Histórico do morticínio eleitoral em Cajazeiras, de Antônio Joaquim do Couto Cartaxo, meu patrono na Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Publicado em 1877, o livro é formado de variados traços: artigos de jornais, memoriais, abaixo-assinados, petições de advogados, depoimentos de réus e testemunhas em processo criminal, laudos de perícias técnicas, denúncias de arbitrariedades policias e de fraudes, despachos e sentenças de juízes, discursos parlamentares, dramáticos apelos de cidadãos ameaçados de morte, relatos de emboscadas mortais. Tudo se passou aqui no sertão do Piranhas, a pacata vila de Cajazeiras no centro da violência. Mais do que isso, o autor faz análise, embora de modo fragmentado e disperso, da política de Cajazeiras, nos seus primeiros anos de existência como município, desmembrado de Sousa em 1863.
O foco do livro, como indica seu título, é o morticínio eleitoral em Cajazeiras. Desde logo, chamo a atenção para a preposição em e não de Cajazeiras, como erroneamente todos nós registramos em muitos escritos. Enganou-se até mesmo Waldemar Duarte, no sempre consultado 1º volume da famosa Bibliografias Paraibanas, (Brasília 1994), que assim anotou à página 78: “Histórico morticínio eleitoral de Cajazeiras”.
Errou duplamente.
Confira o leitor com o nome original. Aquele em Cajazeiras é pista para enxergar-se no trágico e doloroso episódio de 18 de agosto de 1872, quando mataram na Praça da Matriz o tenente João Cartaxo e mais cinco pessoas, num domingo de eleição de primeiro grau. O em no título significa que o entrevero armado, não se deu entre liberais e conservadores da freguesia de Cajazeiras, mas entre liberais daqui e conservadores de outras freguesias. Mais sério ainda, o morticínio não tem origem nas disputas locais. As causas primárias têm raízes em interesses e articulações políticas desenvolvidas em instância muito além das querelas paroquiais. O palácio do governo da Paraíba, ocupado então pelo cearense do Icó, Heráclito Graça, delegado do gabinete imperial, chefiado pelo Visconde de Rio Branco, não é indiferente aos bárbaros fatos ocorridos aqui.
Outra coisa. O livro do doutor Couto Cartaxo não interessa apenas a Cajazeiras. Ali estão fatos e personagens ligados, entre outros, à história de São José de Piranhas, Piancó, Itaporanga. A violência em Santa Fé, a emboscada que exterminou o subdelegado Saturnino Rodrigues do Barrento são temas focados no livro. Temas, aliás, que já deveriam ter sido objeto de estudos mais profundos para compreender-se melhor a sociedade nordestina do século XIX.
Deixo outros aspectos para futuras abordagens, após a reedição, por quem de direito, dessa extraordinária obra histórica.
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