Gritos de silêncio
Por Mariana Moreira
O crescimento dos assassinatos de mulheres explicita uma situação que, aparentemente, se configura paradoxal, e, numa compreensão aligeirada, alimenta os argumentos da naturalização da violência de gênero e da insignificância de leis e políticas de punição e combate à violência e de proteção a vítimas.
Os argumentos da corrente de defesa da naturalização da violência se alimentam da falácia de que, com a instituição de mecanismos e engenhos legais, jurídicos, sociais, como delegacias especializadas em atendimento a mulheres vítimas de violência, Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, essa modalidade de violência sairia de cena ou se reduziria a níveis ínfimos, insignificantes para despertar atenção e interesse de mídias, pesquisadores. Então, os casos que crescem e assustam pela voracidade, crueldade e dimensão apenas se amoldam ao contexto das relações humanas que sempre foram marcadas pela violência, considerada como legítima ferramenta de equilíbrio social.
Argumentos que mascaram e minimizam uma conjuntura explicitamente caracterizada por ações e práticas de governo e de estado com forte viés fascista. Uma conjuntura que escancara o desmonte das políticas públicas de educação, de saúde, de proteção da pessoa. Ações e práticas de governo que cortam drasticamente os investimentos em escolas e universidades públicas, anulando as possibilidades de acesso, para uma considerável parcela da população, a espaços de produção de saber, de exercício de pesquisa, de discussão política e filosófica imprescindível para o conhecimento.
Conhecimento que, suspenso a condição de ferramenta capaz de destravar mentes e conceitos, abrindo perspectivas de se apropriar do novo, do diferente, do diverso, com gentileza, criatividade e, sobretudo, despojamento de prenoções e posições aguerridamente defendidas como únicas e válidas. Para tanto, como nos recomenda o mestre Zygmunt Bauman: “É preciso uma educação permanente para dar a nós mesmos a possibilidade de escolher. Mas temos ainda mais necessidade de salvar as condições que tornam as escolhas possíveis e ao nosso alcance”.
Portanto, o crescimento da violência contra mulheres, apenas e somente, por sua condição de gênero, não é natural por termos a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, as delegacias especializadas. Ela se “naturaliza” quando não enxergamos que a falta de investimentos humano e material nas delegacias especializadas lhes atrofia a ação. Que a operacionalização de todos os pressupostos e requisitos preceituados na leis e artefatos jurídicos tem intima relação com a oferta de equipamentos, formação humana, expansão de ação e atuação a todos, indistinto de lugar, posição, credo.
A “naturalização” da violência de gênero segue como indica o poeta: “Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. (…) Elas não têm gosto ou vontade. Nem defeito nem qualidade. Têm medo apenas”.
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