Gestos naturais?
Por Mariana Moreira
A encenação da grande ópera bufa onde, no palco, as máscaras escondem ou insinuam o cômico, o trágico, o dramático, com a certeza da pirotécnica e espetaculosa cobertura midiática, não se constitui em evento extemporâneo e estranho a cena política e ao cotidiano tupiniquim. Por esta avenida transitam, cotidianamente, torturadores, sonegadores, misóginos, radicais fundamentalistas, palhaços, hipócritas, traidores, pedófilos, machistas, grileiros, gangsteres. Todos, homens e mulheres “de bem”, que evocam e exaltam seus deuses para esconder a satânica adoração dos cultos celebrados nos patos da FIESP, nas contas secretas dos paraísos fiscais, nos financiadores de campanhas eleitorais que compram mandatos e maquiam representação popular.
O grande espetáculo de horrores e dissabores que enoja os espíritos éticos e sensatos se encena no dia a dia e tem como coxia gabinetes de renomados juristas e cortes de refinado saber. Uma cena que se ensaia nas bancadas e redações de veículos de comunicação onde informar não é considerado parâmetro ético da produção da notícia. Notícia transformada em mercadoria e vendida a preço de barganhas determinadas pelas negociatas das polpudas verbas publicitárias, dos arquivamentos de processos de sonegação, das concessões e ilícitas permissões que favorecem e privilegiam a cartelização da comunicação. Ora, neste ensaio geral, o que não deve jamais aparecer como paradigma é a decência do informar para formar opiniões e posições políticas.
O dantesco espetáculo tem ainda como cenário a escancarada parcialidade que pauta o agir de alguns que se arvoram paladinos da justiça e, na mentira do torpe argumento de que a população deve ter conhecimento de todos os fatos, selecionam e direcionam o que deve constituir esse direito de acesso as informações. Uma seleção que traz a nítida marca de posições políticas, de interesses econômicos, de valores imorais e perniciosos ao salutar processo de formação e de informação de mentes e corpos políticos e cidadãos. Parcialidade travestida da mentira, da desfaçatez, da falsa moralidade.
O circo, de horrores e amores, que ergueu sua empanada mambembe no frágil céu de anil da nossa infantil democracia, deixou vazar pelos incontáveis furos do roto tecido toda a diversidade de um país que, hesitante, tenta imprimir firmeza ao caminhar político. E, nessa hesitação, vão se constituindo e se instituindo relações de amor e ódio, de parceria e rivalidade, de alianças e rupturas, de avanços e retrocessos, de inclusão e marginalidade. As frestas rasgadas no tecido mesclam a limpidez do azul céu do Planalto Central com o cinza chumbo de dias pesados e sombrios. Frestas e rasgos de luz e sombra que nos fazem temer os cárceres onde aprisionarão todos os que ousarem não aplaudir este espetáculo. Onde serão torturados, alquebrados todos que resistirem a tirania. Onde a morte, física e política, será parceira de quem se atreve a defender a dignidade. Onde abutres dilaceram corpos e revolvem vísceras para alimentar seu insaciável apetite de tramoias, saques, sonegações.
Não podemos ter a resignação como parceira e aplaudir esses atores como micos apáticos e amorfos dirigidos pelos cordéis visíveis e virtualizados na manipulação. A indignação se faz necessária pois
Enquanto os homens
Exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome
De raiva e de sede
São tantas vezes
Gestos naturais.
(Caetano Veloso)
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