Genival não votou em nosso prefeito

Coluna de Francisco Frassales Cartaxo

Por Francisco Frassales Cartaxo – Em 3 de novembro de 2022 publiquei no Gazeta do Alto Piranhas traços da vida de Genival.

Eu o vejo com frequência no patamar da igreja de Casa Forte, na entrada do supermercado ou num banquinho na feira de produtos orgânicos, no sábado pela manhã. Alto, magro, desengonçado, meio curvado ao andar pelas ruas do Recife, onde nos encontramos, vez em quando, e paramos para um dedo de prosa. De tanto a gente conversar, viramos amigos. Ajuda o velho, ajuda o velho é o bordão que usa para pedir esmola. Nunca me pede dinheiro, mas lhe entrego algum alimento, quando saio da padaria ou do supermercado. É comum essa prática e até me encomenda: doutor, traga uns biscoitos… daqueles de limão.

Semana passada, me mostrou a perna cheia de veias salientes. Ia para a UPA tentar ser medicado. Não estava com cara triste de quem implora piedade. Não usa essa máscara. Queria conversar. Eugênio veio falar de novo: Olhe lá, é o capitão na cabeça… tá chegando o dia, vamos dar uma surra nesses comunistas do PT, me disse, imitando a voz e o gesto, as mãos em jeito de arma de fogo. E arrematou: ele pensa que eu sou do lado dele…

– E aí, você disse o quê?

– Nada, eu ri e fiz assim, me respondeu, levantando o dedo polegar em sinal de OK, para enganar Eugênio.

Eugênio é caminhante matinal na Praça de Casa Forte, bolsonarista fanático, desses que irrita qualquer interlocutor. Vazio de argumentos, abusa de chavões a respeito de Lula: ladrão, prisioneiro, preguiçoso, comunista safado, mentiroso, demagogo, governou para os banqueiros, mandou dinheiro para Cuba, Venezuela etc. etc.

Este mês Genival viajou para sempre.

Sábado, dia 5 de outubro, véspera da eleição, (com muita cautela por causa de cirurgia recente), fui matar saudade na feira de Casa Forte. Zé Maria logo me disse: já soube, doutor, já soube, Genival morreu ontem, o coitado! Deus meu! Suas mazelas vinham se agravando a passos largos. Até já arranjara uma cadeira de rodas para locomover-se. Mas no dia da eleição eu vou votar nem que seja nos braços… me falara mês passado, rindo em deboche da morte já de tocaia!

Genival não foi votar.

Subiu até o céu, onde dividiu com Miguel Arraes a alegria de ver João Campos arrastar quase 80% dos votos válidos. Imagino a cena. Sem meu voto, doutor Arraes, sem meu voto, o olhar entristecido. Tem nada não, Genival, seu voto seria mais um de sobra, falou Arraes, baforando o cachimbo… Doutor, esse menino de Dudu tá saindo melhor do que o pai, o senhor não acha?

A gargalhada de Arraes reboou até a chapada do Araripe. Os olhos de Genival brilharam e os dois enxergaram, lá embaixo, os vermes rastejando no monturo.

Autor do conto: Escanchado feito um porco, Revista Acauã, 2005/2006.

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Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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