Estranha premiação
Por Mariana Moreira
Quando a morte se torna a matéria prima principal do espetáculo a vida sai de cena como produto de quinta categoria, amassada e vencida em cantos de barracas de fim de feira, descartada em latões que irão engordar os lixões e monturos dos derradeiros fiapos da humanidade que nos alinhava como humanos.
Não trago o ranço da pieguice ou da intransigência religiosa como doutrina de viver, apartando em territórios intransponíveis os santos e os pecadores como espécies distintas. Virtudes e pecados são lados da mesma moeda que complementam o viver. Assim, ganham a dimensão de atributos e qualidades culturais que se forjam na esteira da montagem da vida, onde motivações e contextos moldam ideias, atitudes, conceitos que orientam comportamentos, instituem regras, definem gestos, modos, falas. Ou seja, instituem e desenham homens santos e pecadores na mesma padronagem.
Mas esse entendimento traz em sua composição ingredientes que borram, desfocam e anulam as possibilidades do estouro da audiência necessária a preservação do espetáculo. Um espetáculo onde atores seguem um enredo de argumentos previamente elaborados nas oficinas de produção em série de heróis e bandidos, virtuosos e decaídos, anjos e demônios. Todos seguindo um script e antecipando desfechos que se definem nos níveis de assistência, na garantia da veiculação de propagandas que trarão os rendimentos necessários a continuidade do espetáculo.
Os aplausos reverberam em todos os cantos do teatro macabro. A vitória da virtude sobre o pecado é festejada como a concretização da promessa de que somente os ungidos pelas bênçãos benfazejas da santidade terão lugar garantido a vida. Os bandidos, com a maldade e a crueldade marcadas em códigos genéticos, não carecem da paixão humana que nos enlaça na mesma espécie. Ora, nasceram maus e a morte violenta e degradante ainda é prêmio para sua vida de crimes e terror.
E o espetáculo aumenta o volume dos aplausos quando um corpo perfurado de balas tremula inerte de vida entre braços que o ostenta como um troféu a vida desnecessária.
E os holofotes do show são desligados para que as baterias sejam recarregadas e iluminem os novos cenários que começam a ser montados em favelas de pretos e pobres, em periferias de migrantes e fugitivos de miséria, em marquises e calçadas de povos de rua nus de vida e invisíveis de decência e virtudes.
Cenários onde, cotidianamente, corpos desprovidos de vida pela violência institucionalizada por regras de “decência e civilidade” arrancam aplausos de mãos virtuosas que tranquilizam os corações e mentes agora mais apaziguados com o show da vida que segue placidamente na direção da decência e livre das ameaças dos que, naturalmente violentos e sanguinários, devem sempre receber a morte espetacular como premiação.
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