Entre bugaris e cravos
A imagem pode passar despercebida aos nossos olhos e interesses acostumados a pressa, a frieza e a falta de beleza dos tempos presentes. Uma simples fotografia publicada por um dos inúmeros canais que a moderna tecnologia da informação e da informática nos proporciona. Nela, o professor José Antonio colhe flores de bugari no jardim de sua casa. O bugarizeiro viçoso revela a personalidade de seu cuidador. Na legenda a observação de que as flores recém colhidas vão ornamentar o pequeno altar doméstico de sua mãe.
A imagem me transporta a infância e para a peleja diuturna de minha mãe contra o infatigável batalhão de formigas de roça que, com voraz apetite, teimavam em devorar seu pé de bugari, cultivado a duras penas nas áridas terras pedregosas do terreiro da frente de nossa casa de Impueiras. A imagem traz ao presente o aroma das flores de bugari que, nas mornas noites sertanejas, perfumava a paisagem árida e monótona do sertão, enquanto vizinhos trocavam prosas e causos da vida cotidiana e de visagens, malassombros e almas penadas.
Aromas que se misturavam ao som melancólico da mãe da lua, das corujas de biqueiras e das cotovias que agouravam esperanças e sonhos alimentados na crendice de muitos. E as acanhadas flores de bugari teimavam em brotar dos raquíticos galhos açoitados pelos ataques das formigas. E tangido pelo aracati extravasava as fronteiras da nossa imaginação soprando sonhos em tantas outras dimensões enquanto uma suave brisa rasteira dá vida aos acanhados galhos de verdes folhas miúdas pincelados de brancas flores.
O aroma do bugari soma-se as lembranças de Tia Naninha em sua minúscula estatura chegando nas manhãs de domingo na capela de Fátima com um ramalhete singelo de flores rústicas. Entre estrelas do norte, simpatias, rescendentes, destacavam-se as flores de bugari colhidas em seu quintal displicentemente habitado por flores, meizinhas e ervas medicinais utilizadas nas mais variadas finalidades. A cabeça envolta na mantilha numa reverencia aos símbolos sagrados se movimentava com sutileza e elegância no altar ornamentando a laje fria com a singela beleza das rosas modestas.
Sem trazer a nobreza das flores raras, como as orquídeas que florescem em momentos episódicos e habitam espaços aristocráticos, os bugaris, como as onze horas, os bredos,
as buninas e tantas outras modestas flores silvestres que ornam rústicas janelas de taipa e se espraiam por biqueiras e monturos de moradias humildes quebrando a monotonia da escassez com a fartura de cores e aromas que são capazes de humanizar os mais inóspitos ambientes e espalhar aromas de paz quando os nossos sentimentos são apontados para as mais beligerantes intenções. Apenas para lembrar como os cravos foram a mais expressiva lembrança de uma ditadura e de uma guerra.
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