Encontro casual com o ódio
Por Francisco Frassales Cartaxo
Quase esbaramos na larga calçada. Há quanto tempo! Nem parece que moramos no Recife. Verdade, até pensei que você tivesse voltado para sua terra. Passado o espanto, pouco a pouco o papo foi assumindo tom de nostalgia, o brilho nos olhos falava mais do que palavras, numa cumplicidade natural de duas pessoas com história vivida, lá atrás, em tempos de viuvez. Esse encontro casual ocorreu faltando poucos dias para o segundo turno da eleição. O sorriso fácil a lembrar gargalhadas de antigamente. Ia nesse rumo saudoso, até que passa um carro com adesivos e bandeiras de Lula.
– Cruz-credo, não voto nesse ladrão!
Disse e foi logo debulhando um rosário de chavões que circulam em redes sociais contra o candidato Lula. Ela emendava feito carretilha muitos insultos, entre os quais apareciam Cuba e Venezuela como modelo e símbolo das desgraças do mundo, sem poupar adjetivos e palavrões, enquanto surgia no canto dos lábios sinais de espuma, que chamavam atenção porque cresciam em sua boca carnuda, que tanto despertara elogios em outros tempos. Agora me espanta. E ela prossegue em sua maratona verbal de lugares comuns, repetitivos, acerca de Lula, do PT, o que muito me surpreende pois, no passado, ela falara, e falara muito bem, mais de uma vez, de um seu amigo, fundador do PT em Pernambuco, com quem, eu suspeitava, sua relação ia além de simples amizade.
Arrisquei argumentos racionais.
Não é bem assim, Lula foi presidente oito anos, dera tratamento especial aos pobres, ampliou e interiorizou o ensino superior e técnico, dando chance a muitos jovens de entrar na Universidade, o Bolsa Família ajudou a matar a fome de muita gente, a transposição do Rio Francisco…
– O quê? O quê? Quem levou água para o sertão foi Bolsonaro, a transposição só serviu para encher os bolsos de Lula e de empreiteiras, tava tudo parado, Bolsonaro acabou com a corrupção e deu água a vocês.
Melhor parar.
Foi o que fiz. A razão e os fatos não têm lugar quando pingos de raiva se formam no canto dos lábios das pessoas, até quando me diz: lá em casa todo mundo vota 22, só não coloquei uma bandeira do Brasil e um retrato bem grande de Bolsonaro, porque meu irmão não queria se expor. (O irmão é servidor público estadual). O papo foi morrendo, morrendo… restou um abraço, sem graça, de despedida. Cada um foi para seu lado.
– Ei, ei, gritou, ia esquecendo, vou casar depois do carnaval com um…
Do resto da frase só entendi as palavras “velho” e “reformado”.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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