Embuás e vagalumes
Por Mariana Moreira
Elas chegam com as chuvas primeiras que lavam o sertão dos cinzentos dias de estiagem. Se esgueiram por frestas de portas e portões, por ralos e brechas e passam a serpentear seu bailado de múltiplas patas em terrenos nada humosos de salas ladrilhadas, enroscando-se em harmoniosos círculos concêntricos na defesa das patas buliçosas dos gatos e seus instintos atiçados de caçadores natos.
E assim, as embuás tornam-se parte da casa e da família, gozando as mesmas prerrogativas das familiares baratas que, no escuro da noite alta, circulam por chãos de cozinhas na cata de farelos e migalhas caídas de pratos e bocas.
E a cena, embora inusitada para os padrões urbanos, ainda se repete em casas de bairros tranquilos onde terrenos baldios abrigam entulhos, dejetos, plantas rasteiras e sazonais e rosas seda que espalham suas avoantes sementes em redemoinhos que tangem os sertões nas mornas tardes de verão.
E as embuás, que alguns rotulam de piolho de cobra, com seus corpos alongados e ligeiras patas, chegam em nossas casas como a desejar alvíssaras de boas novas trazidas por noites de trovoadas, onde serelepes coriscos cortam o céu no retumbo dos trovões que antecipam biqueiras emendadas de filetes de água e coaxar de sapos.
E com as embuás chegam os vagalumes, ou pirilampos, ao sabor de cada designação regional. Hibernados nos quentes meses de estiagem e alimentados nos humos e pauis trazidos pelas primeiras chuvas que umedecem secas folhas e galhos mortos, engatilhando a natural decomposição que gera novas formas de vida, eles revoam em solitárias acrobacias noturnas. E a noite ganham novas lamparinas, piscadas em agitados e ligeiros movimentos, que impressionam pela harmonia de traços e desenhos luminosos que riscam espaços livres de tantos céus e tantos chãos.
E a cidade, mesmo agitada pelo frenesi de sons e ruídos de automóveis, gentes e vozes, ainda encontra espaços em casas e ruas onde as embuás escalam paredes e desenham círculos, antecipando desejos de convivência e respeito. E em algum canto mais retraído de rua, em bocas de noite, ainda reluzem ligeiros vagalumes a piscar para nós sinais de possibilidades da construção de relações parceiras, sem o veneno que empesteia os campos e anula os espaços de natural decomposição de material orgânico, sem as máquinas, motosserras e tratores que tombam árvores e exterminam ninhos, sementes, sombras e refrigérios para dias cansados e corpos exaustos.
Vagalumes, embuás, saguis, bem-te-vis, sabiás que, atrevendo-se circular por postes e fiações elétricas, por paralelepípedos e asfalto, por salas ladrilhadas e paredes lisas trazem desenhos, sons, cores, movimentos que cutucam nosso âmago a nos lembra que, se não agredimos, enquanto espécie superior, podemos tranquilamente, conviver como iguais.
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